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14 de abril de 2011

O valor das coisas tangíveis

Consultando as estatísticas desse meu blog descubro que o texto mais acessado é o que tem por titulo “como calcular o preço de venda de um produto artesanal” com mais de 900 visualizações. Deduzo, portanto, que a maioria dos que me visitam são artesãos ou pessoas com eles envolvidas, com exceção dos patrícios que me confundem com um cirurgião e um juiz de futebol que são meus homônimos e que vivem em Portugal.

Suponho também que a questão do preço e conseqüentemente a comercialização são os temas mais preocupantes para este grupo de visitantes. Deste modo, me sinto compelido a trazer outras reflexões sobre estes temas.

A primeira delas diz respeito ao valor agregado, ou valor percebido pelos consumidores, expresso na capacidade de atração, de encantamento, de sedução ou de surpresa que um produto é capaz de despertar nas pessoas. Este “algo mais” que distancia um produto do lugar comum, do “déjà vu”, está sobre uma linha tênue que separa o banal do extraordinário. Para alcançar e se manter nesta posição de fronteira é necessário ousar, transgredir, romper as convenções estéticas e formais. Significa perscrutar o coração e a mente dos seus consumidores buscando decodificar seus desejos e aspirações ainda não reveladas.

Este exercício criativo, ao invés de copiar as boas idéias alheias, é tarefa para pessoas treinadas na pratica cotidiana da inovação, como é o caso dos artistas, designers e afins. Esta parceria entre criadores e produtores deve ser apoiada, estimulada, fomentada e patrocinada pelas instituições, como o SEBRAE, que atuam no setor pois, salvo exceções, as unidades de produção artesanal assim como as micro e pequenas empresas não possuem capital, e cultura de risco, para investir na contratação destes serviços.

A segunda reflexão está relacionada ao valor monetário que pode ser acrescido ao preço básico de um produto (obtido pela soma do tempo utilizado em sua produção, dos insumos, matéria prima e encargos) cuja margem de elasticidade é determinada em parte pela concorrência, mas principalmente pelo poder e disponibilidade de compra do público visado, fruto da experiência e da vivência que o uso, a proximidade, a contemplação ou fruição que aquele produto proporcionou.

Os consumidores de maior poder aquisitivo, e de maior grau de compreensão/inclinação cultural para o artesanato, a arte popular e o design vernacular, público mais disposto em adquirir produtos de preço mais elevado, não são os freqüentadores habituais das feiras artesanais e lojas de souvenir. Para alcançá-los é necessário uma mudança de estratégia. Trata-se de procurar ir até onde estão, e não esperar que venham até você.

Como fazer isso?
Separando-se da manada, buscando um espaço ou nicho específico que esteja em conexão direta com esse público culturalmente mas exigente. Entrando em seu "habitat", fixo ou provisório, como algo que tem uma história para contar, ou uma emoção para relembrar.

Fazendo parte integrante dos espaços interiores das pousadas e hoteis, dos restaurantes temáticos,das residencias oficiais e dos formadores de opinião.

Fazendo parcerias estratégicas na comercialização, com estes mesmos fornecedores de serviços exclusivos. Como dizem os arqueiros: É mirando (e pensando) mais alto que se acerta o alvo. E o preço se determina de trás para frente. Ou seja,avaliando o quanto vale no mercado a diferença que meu produto possui?

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Veja o artigo: "Como calcular o preço de venda de um produto artesanal"

2 de março de 2011

O artesanato dentro da lógica de uma “produção associada”.

Entendo primeiramente a expressão “produção associada” como sendo uma oferta de produtos compatíveis, ou complementares, provenientes de unidades de produção independentes que interagem e cooperam-se entre si, nas distintas fases da cadeia de produção e comercialização. A produção associada presume uma lógica semelhante a dos “arranjos produtivos locais” ou dos “clusters”, com estímulo a constituição de cooperativas de produtores e um plano estratégico comum.

Produtos artesanais com maior qualidade percebida são geralmente feitos com diversos materiais, trabalhados por artesãos diferentes e especializados. Esta soma de materiais e técnicas permite uma maior exploração estética e funcional, tornando o produto único e singular.

Obter um produto artesanal que seja a soma de distintos saberes é um desafio de logística e de gerenciamento (do tempo, dos custos e do individualismo dos artesãos) cujo resultado pode ser o incremento dos ganhos para todos os envolvidos. Esta tem sido a lógica perseguida por alguns projetos, dentre eles os “saberes e sabores do Maranhão”, onde um recipiente de cerâmica dentro de um cesto de palha trançada tem seu valor comercial maior que a soma dos dois produtos vendidos separadamente. O mesmo raciocínio vale para as panelas de pedra sabão de Minas Gerais com suas alças de cobre, ou as cachaças cujas garrafas são cobertas com fibra vegetal trabalhada (Exemplos: Germana e Ypioca) gerando centenas de oportunidades de trabalho.

As jóias, em sua maioria, representam um bom exemplo de produto artesanal cujo altíssimo valor comercial decorre não somente pelos materiais nobres que utiliza, mas também pela qualidade criativa e apuro técnico em sua produção. Outro exemplo são as rendas, que isoladamente possuem um valor comercial cujo teto está muito aquém do valor que poderia alcançar estando associada a uma roupa de luxo.

Estas reflexões remetem a uma outra dimensão do conceito de “produção associada” que é vincular a oferta de produtos a um determinado nicho de mercado. O artesanato pode buscar se associar ao mercado de luxo; ao mercado de turismo; ao mercado de decoração; ao mercado de moda; ao mercado de produtos agro-alimentares ou ao mercado de presentes e lembranças. Para cada nicho de mercado que se desejar atender é necessário fazer preliminarmente um detalhamento da demanda, com informações atuais e confiáveis sobre disposição de compra; sazonalidade; destino da aquisição; preços máximos; tipologias e características.

Cada um destes nichos é constituído de grupos de indivíduos com desejos e expectativas diferentes. Para alguns o valor cultural é o mais importante para outros é a exclusividade, ou a surpresa.
A observação atenta destes grupos demandantes tem permitido apontar algumas janelas novas de oportunidade a serem exploradas pelas unidades de produção artesanais mais dinâmicas, criativas e qualificadas.

Para atender o comercio de luxo é necessárias uma qualidade estética e um acabamento perfeito e diferenciado. O luxo não se expressa pelo valor comercial da peça artesanal, mas por seu valor emocional, trazido pela dimensão humana, presente nas mãos que o produziu. Os consumidores típicos do comercio de luxo possuem hoje acesso a todos os produtos que desejam adquirir. Não existem mais barreiras alfandegárias e os custos de logística permitem o comercio mundial em larga escala ser competitivo.
Estima-se que na Cidade de São Paulo vivam 60 mil milionários. Para eles foram criados os shoppings exclusivos e o comercio da região dos Jardins. Nestes locais existe tudo de melhor que a capacidade criativa do homem foi capaz de produzir.
Esta hiper-oferta qualificada chega a um ponto de saturação quando o seu valor simbólico se banaliza. Quem já tem tudo não deseja o mais do mesmo. Busca o novo, a surpresa e o encantamento. Perceber isso é estar no lugar certo, na hora certa e diante das pessoas certas.

Este é o momento e a oportunidade para oferecer o “luxo emocional” apresentado na forma de um serviço ou produto único, exclusivo, com uma história para contar sobre um tempo e um lugar.

Este mesmo tipo de qualidade espera o turista frente à oferta artesanal, acrescido do fato que o produto deve ser parte ou testemunho da vivencia emocional que esta pessoa experimenta. Para justificar estes argumentos basta verificar o comportamento de três grandes grupos de turistas: o acidental, o tradicional e o existencial. O acidental é aquele viajante que fica entre um e cinco dias em média nos destinos. Viaja por compromisso pessoal, profissional, familiar ou religioso e compra apenas os presentes compulsórios. Já o turista tradicional viaja a lazer, para escapar, se evadir da realidade cotidiana. Em geral não procura o novo tendo em vista o grau de risco que toda novidade incorpora. Quer os serviços e os produtos consagrados, conhecidos, sem surpresas.

E por fim o turista existencial. Este viaja para se misturar com outros povos e outras culturas. Viaja para experimentar, aprender e conviver com o novo. Para estes o produto deve ser um vinculo estreito com o momento e o lugar vividos.

Cresce exponencialmente uma demanda reprimida por produtos de qualidade, feita por um tipo de consumidor sazonal, de nível socioeconômico e cultural mais elevado, disposto a pagar mais por um produto que chame sua atenção e o seduza. Este produto deve estar associado à experiência que se está vivendo. Com o tempo este produto será transformado em prova física, testemunha de um momento especial que sobreviverá apenas na memória.

Porém não basta apenas melhorar ou adequar à oferta ao seu publico visado. É necessário pensar novas estratégias de comunicação, divulgação e comercialização para este artesanato diferenciado.

Os turistas que freqüentam feirinhas e lojas de artesanato vão em busca do souvenir, da lembrançinha, do presente compulsório. O turista existencial adquire aquilo que vem de encontro a ele, mesmo que seja como parte da decoração de sua pousada ou hotel ou dos serviços a ele oferecidos. O convivo natural com estes produtos cotidianos cria uma proximidade entre o usuário e o objeto, uma espécie de intimidade silenciosa, de cumplicidade involuntária, que se transforma em desejo de uma lembrança perene. Para estes a assinatura do artesão na peça é como uma certidão de nascimento. Sem ela a origem é desconhecida e duvidosa.
São estes mesmos turistas que procuram, experimentam e divulgam para o mundo os produtos singulares do território. Estes produtos do “terroir”, em especial as comidas e bebidas típicas, precisam de uma embalagem adequada que coloque em evidência seus diferencias de qualidade.

Qualquer que seja o foco do artesanato, algumas condições de trabalho são necessárias; um método e alguns compromissos. O método preconizado pelo SEBRAE abrange as oito etapas do ciclo de inovação: Identificar demanda; Identificar oferta; Desenvolver produtos; Melhorar processos; Capacitar produtores; Agregar valor; Divulgar e Comercializar.

Dentre os compromissos, atendo-se aqueles definidos pelo Prêmio “TOP 100 do
artesanato”, merecem destaque: inovação; respeito ao meio ambiente; respeito à cultura; responsabilidade social; responsabilidade comercial; preço justo; condições de trabalho adequadas; promoção e comercialização seletiva.

Tudo isso é apenas o principio de uma longa caminhada cuja meta é posicionar o produto artesanal brasileiro no lugar de destaque no mercado mundial reservado para os bens simbólicos de forte expressão cultural.

A palestra que faria dia 23/03 na Fundação Luis Eduardo Magalhães em Salvador, a convite do SEBRAE/BA, onde exploraria melhor estes temas, foi cancelada por razões alheias a minha vontade.

2 de fevereiro de 2011

Sugestões aos gestores que se preocupam com o artesanato e o turismo com valor agregado

Os produtores de bens simbólicos de alto valor agregado, principalmente de artesanato, vivem hoje um dilema. Para sobreviver em um mercado cada vez mais seletivo o primeiro passo é sair da informalidade. Isso significa ter obrigações sociais, pagar impostos, mas também acesso mais adequado ao mercado. Desejo e fim de todos que produzem algo de valor.

O mercado nacional, até pouco tempo restrito e fechado vivendo em uma redoma artificial impostas por políticas protecionistas, abriu suas fronteiras. Descobriu outras culturas e começou a enxergar o valor da sua própria. As comemorações dos 500 anos do descobrimento serviram para os brasileiros resgatarem sua auto-estima e divulgar a marca Brasil mundo afora. Esta visibilidade crescente tende a aumentar exponencialmente nos próximos cinco anos por conta da Copa do mundo e das Olimpíadas. Os produtos “Made in Brazil” passarão a ser ainda mais desejados.

Ao mesmo tempo o mercado de consumo mundial vive um momento novo, comportando todo tipo de produtos, cujo fenômeno foi apresentado por Chris Anderson em seu livro “A Cauda Longa”. Diante do crescimento exponencial da oferta começa a haver uma polarização nos mercados mais seletivos. De um lado os produtos e marcas globais, conhecidas, consagradas, cosmopolitas e confiáveis. De outro lado os produtos singulares, diferenciados, surpreendentes, vinculados a sua região de origem, com uma história para contar.

O consumo mundial esta pendendo entre produtos globais x produtos locais. Nestes dois extremos ainda existe muito espaço de crescimento e quem tiver bons produtos seguramente encontrará muita demanda, que se devidamente prospectada poderá ser contadas aos milhares, ou milhões, de unidades por encomenda.

Aquilo que parece ser a solução de todos os problemas, que é ter propostas de compra diante de si, na verdade é apenas uma ponta de todo o ciclo produtivo. Vender é a meta final de quem produz. Porém é preciso vender aquilo que se tem para oferecer.
Como na música de Jorge Drexler cada um só pode dar aquilo que tem ou recebe. Nada é mais simples. Não existe outra norma.

Neste novo cenário global podemos falar da importância das “fábricas sociais de artesanato”. Unidades produtivas que utilizam alta intensidade de mão-de-obra, qualificada e diferenciada. Com crescente capacidade produtiva na medida em que investem na formação de novos colaboradores e na substituição de tecnologias obsoletas, porém sem perder as características singulares que o diferenciam seus produtos da concorrência. São unidades capazes não somente de produzir bens culturais mas também são capazes de fazê-los chegar inteiros ao seu destino. Alguns empresas artesanais já exibem estas caracterisicas. São as que estão exportando.

O conhecido “ciclo da inovação e do design” descrito no termo de referência sobre o artesanato brasileiro e publicado pelo SEBRAE, aponta oito passos necessários para se chegar ao mercado. Este ciclo deve ser completo, sem pular etapas, para não repetir erros passados e cair em velhas armadilhas. São ações que resultam em um ciclo virtuoso que se vale de competências diferenciadas em todos os níveis.

Estes oito passos já deveriam ter sido seguidos por centenas de unidades artesanais do Brasil cujo reconhecimento tem sido concedido bianualmente na forma de um premio as cem melhores. Porém um olhar detalhado sobre os vencedores permite identificar ainda carências não satisfeitas e problemas não resolvidos. Problemas que vão desde a falta de capital de giro para adquirir matéria-prima diante de grandes encomendas até a ausência de embalagens capazes de diminuir as perdas no transporte.

A promoção e o esforço de venda, indispensável e desejável, deve ser acompanhado de um compromisso em todos os níveis da cadeia de produção. Os contratos de compra cujos prazos de entrega não são cumpridos ou a entrega de produtos que não correspondem em qualidade aquilo que foi encomendado são as causas de fechamento de promissoras cooperativas e empresas artesanais antes existentes.

O artesanato brasileiro, salvo algumas exceções, ainda busca a maturidade necessária para aspirar sua inserção definitiva no mercado internacional. Devemos ter a capacidade critica de perceber nossas deficiências, sendo a primeira delas a falta de dados atuais e confiáveis sobre a demanda (dados que confrontados se transformam em informação, e esta quando assimilada vira conhecimento e que aplicada na solução de problema se transforme em inteligência competitiva).

O desafio é conseguir uma renovação anual da oferta de produtos que valorize suas raízes e vínculos culturais, criando ofertas seletivas regionais em produções associdas, somada a uma capacitação técnica e gerencial dos produtores. E finalmente uma atuação consorciada do artesanato com o turismo.

1 de dezembro de 2010

Produção associada ao turismo. Um novo modismo ou a oportunidade de colocar em prática uma nova estratégia de promoção social e econômica?

Fazendo um balanço dos diversos programas e projetos implementados nos últimos anos, tanto pelo governo federal, governos estaduais, iniciativa privada e organizações não governamentais percebe-se um conjunto expressivo de experimentos demonstrativos de êxito, de intervenções para a promoção de uma oferta associada ao turismo. Projetos como o das Cidades históricas de MG e da Fundação Odebrecht, no sul da Bahia, são dois bons exemplos. Os envolvidos nestes experimentos de êxito são potencias agentes multiplicadores, podendo colaborar na formulação e implantação de políticas públicas para o setor, com propostas apoiadas em práticas consagradas.

Com o novo governo um novo ciclo se inicia que deverá buscar a expansão da oferta seletiva de produtos associados ao turismo. O esperado é a criação de incentivos fiscais e creditícios e de parcerias público-privadas para financiamento e implementação dos projetos e ações diretas, sobretudo para os pequenos empreendimentos.

Para mensurar a relação custo/benéficio destes projetos a adoção de metodologias de intervenção, adaptadas às especificidades locais e apoiadas por ferramentas de mediação do impacto, são necessárias. Os critérios são aqueles que indicam a agregação de valor nos produtos e serviços referenciados na cultura local; a presença da inovação sem descaracterizar a tradição; o incremento da produção e da renda dos produtores; a responsabilidade comercial, social e ambiental.

Para atingir o resultado esperado o planejamento dos projetos deverá levar em consideração o desejo de participação dos diversos atores envolvidos, assim como interiorizando os debates e ações de sensibilização e promoção. Proprietários de pousadas, bares e restaurantes; artesãos; produtores rurais e agentes de viagem deverão pactuar um compromisso mútuo de cooperação. Compromisso esse que deverá também considerar o imperativo de conservação dos recursos naturais, da cultura e das relações sociais, contemplando os capitais humano, produtivo, social e ambiental.

Estas recomendações acima descritas, compiladas no seminário realizado em Salvador, dá a dimensão dos problemas a serem enfrentadas, que irão requer políticas públicas especificas para o setor.

No nível estadual a fusão de programas de artesanato com turismo, abre uma nova fronteira de atuação conjugada, em especial, diante da expectativa do incremento dos produtos com a cara do Brasil, impulsionadas pelo turismo nos próximos anos, em especial, a Copa de 2014.

27 de novembro de 2010

Mensagem aos designers Chilenos

Na impossibilidade de minha presença física na cerimônia de lançamento de um projeto de inserção do design na produção artesanal em uma determinada localidade do Chile, deixo aqui as palavras que diria nesta ocasião.

Começaria lembrando que a primeira coisa que um designer deve fazer ao decidir trabalhar com uma comunidade artesanal é despir-se do desejo narcisista de passar para a posteridade como um criador de objetos.

Desenhar um produto artesanal é compartilhar com os artesãos de seu processo de produção, cada um aportando seu saber. E o saber do artesão não é somente sua técnica. É principalmente o saber que possui referente à cultura do lugar onde vive. Esta é sua riqueza que deve ser extraída, re-valorizada, re-significada, e novamente por eles próprias percebida como algo seu, que lhe pertence, e que isso tem valor. O artesão não é uma simples mão de obra. Barata ainda por cima. É o sujeito e senhor de um lugar, no tempo, na história, na geografia.

É precisamente isso o que querem os compradores de bens simbólicos. Produtos com a cara do lugar, com uma história para contar. Quando os produtos artesanais incorporam em sua superfície ou forma elementos do repertorio iconográfico local estes produtos estão fazendo uma declaração de pertencimento a um determinado contexto e momento. Ao trazerem uma etiqueta com o nome e referencia do artesão que o produziu e do local de origem, estão criando uma certidão de nascimento de inquestionável valor.

Relacionar estes produtos com outros elementos do repertorio cultural regional é também um modo de extrapolar seu valor puramente utilitário para se transformarem em bens simbólicos, direcionado a um público consumidor com maior poder de compra e maior nível de exigência. Um bom exemplo são os produtos de cerâmica concebidos e produzidos para ser o melhor modo de preparação e de apresentação da gastronomia regional, geralmente desprovida deste tipo de suporte apropriado que lhe empreste valor.

Esta parceria entre designer e artesão não pode existir somente na fase de concepção dos produtos. Deve permanecer e transformar-se em um vinculo quase permanente de colaboração. Durante a produção muitos problemas acontecem que necessitam de ajustes e adequações. Sem a presença do designer, as soluções que forem adotadas podem desvirtuar o produto de seu conceito original. A sutil diferença entre o original e criativo, do exagerado e ridículo reside nos detalhes. Basta uma cor mal escolhida, um verniz demasiado brilhante, um adorno sem função, para afastar o produto de seu potencial comprador.

Conceber um novo produto é incorporá-lo a uma família já existente. Ele deve ser diferente, porém sem perder as características de seu lugar de origem. Às vezes basta uma pequena mudança incremental para dar nova vida a um produto obsoleto ou em decadência comercial. Outro detalhe fundamental que os artesãos quase nunca se preocupam é com a embalagem, principalmente quando se trata e produtos frágeis como a cerâmica. Uma embalagem bem concebida além de proteger o produto agrega valor e informa a origem, elementos valorizados pelos turistas.

Concluiria dizendo que um designer consciente de seu papel na sociedade encontra uma enorme satisfação e gratificação quando percebe que trabalho contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Esse é um objetivo que deve permear sempre nossas escolhas.

30 de julho de 2010

íntegra da entrevista concedida ao Jornal eletrônico A CASA sobre Design x Artesanato

Fale brevemente sobre sua trajetória (desde formação, até principais projetos desenvolvidos ao longo da carreira e o que está fazendo atualmente).
Comecei a trabalhar com design muito antes de saber o que isso significava. Aos vinte anos, já era um designer gráfico relativamente bem conhecido em Belo Horizonte, o que me levou a entrar para o pioneiro setor de design do CETEC. Isso foi em janeiro de 1973. Em pouco tempo, este grupo cresceu e amadureceu junto, evoluindo para uma prática pioneira de se tentar fazer design social. O Município de Juramento, na região norte de Minas Gerais, foi o laboratório destas experiências. De 1979 a 1981, passei dois anos morando na Suíça, onde fiz meu mestrado em Design Urbano e uma pós-graduação em desenvolvimento sustentável. De retorno ao Brasil, fui convidado para trabalhar no CNPq, onde coordenei, durante alguns anos, o Programa de Design e o de Tecnologias Apropriadas, criando, na prática, o primeiro vínculo formal entre design e artesanato.

Em 1987, fui dirigir o LBDI – Laboratório de Design Industrial em Florianópolis, onde realizamos um projeto inovador de valorização do artesanato catarinense, experiência que serviu de modelo para a implantação na Colômbia dos Laboratórios de Design para o artesanato. A partir da segunda metade da década de noventa, comecei a colaborar com Fundação Espanhola para a promoção do artesanato, o que deu origem ao Programa de Artesanato do SEBRAE. Colaborei na implantação de programas de artesanato em 17 estados brasileiros assim como de ações especificas e pontuais em vários paises da América Latina. Atualmente, sou consultor do SEBRAE, MDA, UNESCO em projetos relacionados com o artesanato, participando na coordenação de eventos e workshops; como jurado em concursos e premiações, realizando pesquisas e produzindo artigos e publicações, sendo a mais recente a Cartilha das Artesãs do Projeto “Talentos do Brasil”. Neste ano de 2010, retornei ao CNPq para mais um desafio, desta vez tentando deixar minha contribuição, entre outras coisas, para a criação de um programa de formação da nova geração de servidores, devolvendo modestamente tudo que esta instituição me ofereceu ao longo de minha vida profissional.

Por que promover a parceria entre designers e artesãos? Quais os benefícios que o design traz para o artesanato e quais aqueles que o artesanato traz para o design?
Simplesmente porque acredito que o artesão é, acima de tudo, um artífice que, com sua técnica, habilidade e destreza, é capaz de produzir / reproduzir produtos capazes de encontrar um nicho de mercado não satisfeito pela oferta industrial. O artesão, como qualquer ser humano, tem a capacidade de criar, porém esta não é sua prática e preocupação cotidiana. O artesão prefere muito mais aperfeiçoar sua técnica para fazer cada vez melhor, com maior eficiência e qualidade, aquilo que ele domina e está acostumado a produzir. Para o artesão, criar algo novo é penetrar no domínio do desconhecido e do risco no qual ele não se sente confortável. A aproximação do design com o artesanato permite a renovação da oferta artesanal e a ampliação do mercado comprador, compatibilizando os anseios de quem produz com as necessidades e desejos daqueles que consomem. Com a globalização da economia, a oferta de produtos e serviços é sempre maior que a demanda, provocando uma intensa competição e um esforço contínuo de inovação. O que hoje é novidade, amanhã estará nos museus, e o artesanato não fica incólume a este fenômeno. O desafio é inovar sempre, sem perder as referências e vínculos com a cultura e as práticas sociais das comunidades produtoras. O design, por sua vez, se alimenta da arte popular e do artesanato como fonte de inspiração e de referências culturais para dar o sentido de pertencimento ao seu trabalho. Um designer, como decodificador de repertórios culturais, deve estar atento ao seu entorno, pois são estes elementos culturais diferenciadores, e às vezes banais, do cotidiano que tornarão seu trabalho único e singular.

De que modo o design pode contribuir no fortalecimento de comunidades tradicionais e associações de artesãos e sua sustentabilidade? De que modo o design pode funcionar como um agente de transformação econômico-social e de promoção do desenvolvimento?
Por sua formação multidisciplinar, que abarca não somente a análise e estudo dos fenômenos mercadológicos e tecnológicos, mas também os requerimentos econômicos, ambientais e sócio-culturais, o designer pode, em princípio, propiciar às comunidades artesanais informações e conhecimentos que ela não dispõe. Sua ação pode, por exemplo, alertar para práticas produtivas nocivas ao meio ambiente tais como o extrativismo predador e a poluição por resíduos; identificar demandas não satisfeitas da sociedade e de nichos de mercado sensíveis a uma oferta artesanal qualificada; desenvolver uma oferta seletiva de produtos em consonância com a cultura regional; melhorar a eficiência na produção, pela adoção de técnicas e processos apropriados, que vão desde o layout da oficina até a utilização de equipamentos mais adequados às características do trabalho realizado.

A quantas anda a relação entre design e artesanato no Brasil? Em termos mundiais, qual o papel do Brasil nessa relação? Como você avalia a evolução desse campo ao longo do tempo no país?
A inserção do design no artesanato no Brasil é um fenômeno relativamente recente, iniciando-se com a realização de ações pontuais e isoladas desde o principio dos anos 80 nos Estados de Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba (onde existiam escolas de design sensíveis a este discurso), passando a ser mais sistemática com a criação do Programa de Artesanato do SEBRAE em 1998 / 1999. Somente a partir desta ação é que houve um desprendimento das posturas paternalistas que dominavam os programas de apoio ao artesanato conduzido pelo governo tanto na esfera federal como nos estados.
Na América Latina, a aproximação entre design e artesanato ocorre na mesma época que no Brasil, especialmente através da Universidade Autônoma Metropolitana de Azcapotzalco no México e de Artesanias de Colômbia, apenas para citar os dois exemplos mais expressivos.
Nesses países, foram as ações empreendidas que deram origem a dezenas de empreendimentos sociais sustentáveis, assim como a eventos comerciais extraordinários, como é o caso de “Expoartesanias”, uma feira especializada em produtos artesanais realizada há mais de 15 anos sempre na primeira quinzena de dezembro na cidade de Bogotá. Os cerca de 600 expositores vendem diariamente perto de um milhão de reais. O diferencial desta feira é sua curadoria, que somente admite para exposição e venda produtos considerados inovadores sem, contudo, perderem suas características diferenciadoras.

Quais as formas de atuação do designer em comunidades de artesãos? Promover melhorias nos objetos tradicionalmente desenvolvidos? Sugerir a produção de novos objetos? Discutir propostas com os próprios artesãos, ou seja, mediar o processo de produção? Promover melhoras na logística e na gestão? Educar o artesão para o mercado?
Todas as ações acima já foram experimentadas em centenas de comunidades brasileiras, dependendo do tipo de orientação emanada dos organismos patrocinadores. Quando se trata de comunidades assistidas pelo Artesanato Solidário, me parece que a orientação tem sido a de intervir minimamente, apenas melhorando os produtos feitos tradicionalmente pelos artesãos. No caso do SEBRAE, as intervenções costumam ser mais radicais, criando, em parceria com os artesãos, uma nova oferta de produtos artesanais voltados para as demandas do mercado, porém referenciadas com a cultura de origem. De qualquer forma, em todas as intervenções, sejam estas de mudanças incrementais ou revolucionárias, o que se discute é a necessidade de geração de trabalho e renda; o respeito à cultura e ao meio ambiente; o estreitamento dos vínculos sociais na comunidade; o escoamento da produção; e um processo de comercialização onde ao artesão também se aproprie do resultado econômico de seu trabalho. Caso contrário, qualquer intervenção será efêmera e irresponsável.

De que maneira deve ocorrer o encontro entre designers e comunidades de artesãos? Há princípios éticos que devem ser respeitados? Quais? Há limites para o trabalho dos designers com comunidades tradicionais? Quais? Como estabelecer uma boa relação entre as partes?
Como em qualquer tipo de relação, existe uma necessidade de saber compreender o “outro” – seus conhecimentos, habilidades, destrezas, experiências e posturas – antes de se iniciar um processo de aproximação. A aproximação a uma comunidade ou grupo de produção deve se iniciar por uma “escuta sensível” capaz de mapear o universo simbólico no qual está imersa a comunidade e que a torna um espaço único e singular. Desenvolvemos uma metodologia para esta abordagem, testada em inúmeros projetos com bons resultados. A proposta parte da premissa que um designer deve trabalhar (projetar) sempre com os artesãos e nunca para os artesãos, em um esforço compartilhado de análise, geração de conceitos e experimentações formais. Este processo de desenvolvimento de novos produtos deve ser fruto de uma relação dialética, onde cada um é consciente de seus papéis e deveres e sujeito de sua própria história.

Em termos simbólicos, quais as diferenças entre um produto artesanal e um produto industrial? Quais as diferenças no trabalho de um designer quando este trabalha em uma empresa ou em uma comunidade de artesãos?
Um produto, qualquer que seja, deve ter um vínculo com uma determinada cultura, seja de origem, seja de destino. Os produtos mundiais mostraram-se insuficientes para darem conta das demandas e necessidades particulares de todos os habitantes do planeta. Com a sofisticação e diversificação da oferta foram surgindo novos nichos de mercado, bem descritos na teoria proposta por Chris Anderson em seu livro publicado no Brasil sob o titulo de “A Cauda Longa”.
Um produto industrial, para ter sucesso de mercado, deve vir de encontro às necessidades, anseios, desejos, gostos e preferências do grupo de indivíduos aos quais é direcionado, utilizando-se do repertório estético, simbólico e iconográfico desta cultura de destino.
Um produto artesanal, por sua vez, deve fazer referência à cultura de origem, pois é isto que o distingue dos demais. Aqueles que consomem artesanato o fazem sabendo que ao mesmo tempo estão adquirindo um bem simbólico cuja atestação de origem empresta valor e remete a um determinado espaço e tempo específicos. Um produto artesanal é atemporal quando resiste aos apelos da moda, embora este possa ser o grande mercado para o artesanato como elemento acessório ou agregado à vestimenta.
A diferença para um designer de trabalhar em uma pequena empresa ou junto a uma comunidade artesanal não muda sua percepção dos limites de sua responsabilidade e do alcance de sua intervenção. Centenas de grupos de produção artesanal que conheci nada mais são que pequenos empreendimentos informais, tocados apenas pelo bom senso, pela intuição e pelo desejo de seguir adiante, sem a menor noção do que seja um plano de negócios ou de um planejamento estratégico.

Como conciliar a lógica do modelo de produção artesanal – mais lento, com produção limitada – com a lógica do mercado, que está sempre em busca de novidades, que exige uma grande produção etc.?
Existe incompatibilidade entre o modelo de produção artesanal e o mercado de consumo de massa, sobretudo quando a opção recai sobre produtos de baixo valor. O artesanato como peça única, exclusiva, que se parece com as demais, mas é diferente em seus detalhes, pois contém as imperfeições da mão que a executa, deve buscar seu nicho especifico que não são as feirinhas. Por esta razão, sempre que posso, desestimulo os artesãos a se empenharem na produção de produtos de baixo valor, mas de alto giro. Este é um mercado canibalizado onde se disputa o cliente no preço. O que assistimos neste mercado de lembranças e souvenires é a disputa feroz de artesão contra artesão; artesão contra fabriquetas clandestinas; artesãos contras produtos importados da Ásia que, rejeitados nos processos de controle de qualidade na origem, são vendidos no Brasil em lojas de 1,99.
O correto é propor produtos de maior valor agregado, onde a expertise do artesão possa se revelar por inteiro, onde sua habilidade, destreza e capacidade produtiva sejam traduzidas em peças únicas, impossíveis de serem reproduzidas pelos meios massivos de produção e que contem uma historia.

Entre aqueles que defendem a intervenção do design no artesanato, costuma-se dizer que promover essa intervenção é quase que uma obrigação, uma vez que possibilita a elevação da renda de milhares de artesãos que, mesmo dotados de um incrível saber-fazer, estão completamente marginalizados da sociedade, vivendo, muitas vezes, em condições de indigência. Em outras palavras, os artesãos estariam excluídos da sociedade e seria necessário incluí-los. É sensato promover a inclusão das pessoas na lógica do mercado? É preciso incluir artesãos no sistema ou modificar esse próprio sistema que exclui os artesãos?
Considero uma quimera idealizar um mercado desprovido de sua característica essencial que é a competitividade. O sonho de uma sociedade igualitária onde os bens e serviços estariam ao alcance de todos, mostrou-se uma utopia. Com quase 10% da força de trabalho excluído do mercado formal, deve ser planejada alguma alternativa que não se restrinja à distribuição de cestas de alimentos, bolsas e auxílios que são meros paliativos. Insensatez é acreditar que é possível sobreviver em um mundo capitalista e globalizado sem apoio e estímulos ao trabalho criativo capaz de produzir e gerar riquezas.

Ao tentar levar objetos artesanais para classes sociais elevadas, muitas vezes o designer sugere que sejam feitos produtos que não fazem parte da cesta de consumo do próprio artesão. Por exemplo, um jogo americano. Nesses casos, há conflito entre aquilo que designers e instituições, em nome do mercado, propõem que seja produzido e aquilo que artesãos desejam produzir? Como você lida com essa questão?
Os artesãos brasileiros são, em sua maioria absoluta, indivíduos marginalizados do mercado formal de trabalho que buscam em sua atividade uma forma alternativa de renda. Muitos são pequenos agricultores ou migrantes que vivem na periferia dos centros urbanos. Em verdade, poucos são aqueles que descendem de grupos sociais homogêneos e fiéis depositários de uma herança cultural que deve ser preservada em sua essência e pureza original. Um produto artesanal que nasce para uma determinada função pode ser adaptado a outros usos e finalidades, como é o caso de grande parte dos artefatos produzidos em comunidades indígenas, sem que isso se configure em um atentado à cultura. Os produtos artesanais nascem como uma resposta a uma necessidade, sejam estas de natureza funcional, decorativa ou ritualística. Propor uma nova relação entre objeto e usuário a partir não mais de sua destinação original significa abrir novas oportunidades de negócios que não podem ser desprezadas, sobretudo se isso significa a sobrevivência do grupo produtor. Educar o mercado é um investimento que somente poderá ser mensurado com a lente do tempo e da distância, sendo desumano propor esta alternativa a quem tem necessidades imediatas a serem satisfeitas.

Em um dos posts de seu blog, você fala sobre a “eterna confusão entre arte e artesanato”. Poderia explicar melhor esses dois conceitos? Por que é importante que se entenda essa diferença? Complementando: diferentemente de produtos de arte, produtos artesanais não costumam ser assinados por indivíduos (há, normalmente, a indicação da comunidade que o produziu). Em post do blog, você sugere que estes produtos sejam assinados. Poderia falar um pouco sobre isso? Com produtos artesanais assinados não voltamos a aproximar os conceitos de artesanato e arte?
No meu ponto de vista a diferença fundamental entre o artesão e artista é o compromisso. Enquanto o compromisso do artista - qualquer que seja – é consigo mesmo e com o seu tempo, o compromisso do artesão é com sua família. O artista cria como forma de exteriorizar sua visão pessoal e singular do mundo que o cerca, ampliando as fronteiras do conhecido. Para o artista, vender sua obra é uma questão circunstancial. O artesão produz para obter, com o fruto do seu trabalho, uma compensação financeira capaz de propiciar o acesso aos bens e serviços ofertados pela sociedade industrial. A assinatura na peça artesanal é uma forma de aumentar a auto-estima de quem o produz; é a atestação do “feito à mão”; é um modo barato e eficaz de estabelecer um controle de qualidade feito pelo próprio artesão que não irá permitir enviar para o mercado uma peça mal feita e que leva sua assinatura.

A respeito dos investimentos públicos que vem sendo feitos no artesanato, você identifica uma assimetria entre custo x beneficio das feiras, dizendo que “os recursos necessários para realizar uma feira nacional de artesanato jamais se justificam frente às vendas realizadas”. Poderia comentar essa questão? Levando isso em conta, de que forma deveriam ser investidos os recursos públicos?
Uma feira é um empreendimento comercial e, como tal, deve visar o lucro. Quando o investimento para realizar uma feira não encontra correspondência nas vendas, algo está errado. Uma feira é principalmente o espaço de confrontação entre oferta e demanda de produtos e serviços, servindo de termômetro para aferição do grau de aceitação dos mesmos pelo público visado. Como tal, serve também para prospectar novos negócios e tendências do mercado. Transformar as feiras em vendas de varejo para escoamento da produção estocada é um desperdício de recursos e um desvirtuamento de sua função. As feiras de artesanato, do modo como estão sendo organizadas no Brasil, atendem principalmente aos interesses das empresas promotoras e dos patrocinadores e pouco aos artesãos. Uma rodada de negócios pode ser muito mais efetiva e rentável, sobretudo se os compradores atacadistas e lojistas forem levados aos locais de produção. O que as instituições devem fazer, no meu ponto de vista, está detalhado no termo de referencia sobre o artesanato publicado pelo SEBRAE. Na ordem proposta: identificar as demandas do mercado; identificar e qualificar a oferta artesanal; melhorar produtos; otimizar os processos; capacitar os envolvidos na cadeia de produção; agregar valor, promover, divulgar e comercializar de modo eficiente e inovador junto aos públicos visados.

Você defende que artesãos saiam da informalidade. Como isso pode ser feito? Por meio da criação de Associações ou Cooperativas? Já faz algum tempo que temos percebido que são poucas as Associações de Artesãos que conseguem permanecer ativas por muito tempo. O que ocorre? Quais as dificuldades para a formalização e para a saúde das Associações?
Basicamente, porque as Associações não são empreendimentos com fins comerciais. Uma associação não é um modelo adequado para congregar pequenos produtores com interesses comerciais. As cooperativas, por sua vez, dependem de um grau de consciência mais elevado dos artesãos com relação aos seus benefícios e vantagens e de um número mínimo de pessoas para sua formalização. Não vejo problema ou dificuldade na criação de empresas comerciais dedicadas à produção artesanal. A formalização dos empreendimentos artesanais me parece ser um caminho inevitável. Atualmente, penso na possibilidade de criação das “Fábricas sociais de Artesanato”, um empreendimento situado naquilo que está se convencionando designar de setor 2.5, ou seja, possui destinação social, mas é movida pelo lucro e dentro de um processo de produção sistemática com uma divisão de trabalho baseado nas habilidades e competências de cada pessoa envolvida. Este tipo de empreendimento poderá atender uma crescente demanda por brindes corporativos de empresas públicas e privadas que desejam apoiar o segmento artesanal e não sabem muito bem como fazê-lo. O investimento direto na produção pode ser mensurado e avaliado de modo muito mais rápido.

Há duas grandes vias de tentativas de melhora da qualidade de vida das comunidades artesanais brasileiras. Uma delas, normalmente defendida por designers, é por meio da atuação de um profissional junto à comunidade, adequando seus produtos ao mercado de classes sociais mais altas localizadas, muitas vezes, nas metrópoles. A outra, normalmente defendida por antropólogos, é por meio da valorização do produto artesanal tradicional tal qual ele é, realizando exposições, publicando catálogos explicativos etc. Esta segunda via atinge o ponto máximo com o registro de determinado saber-fazer como Patrimônio Cultural Brasileiro (por exemplo: O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, o Modo de Fazer Viola-de-Cocho e o Modo de Fazer Renda Irlandesa produzida em Divina Pastora-SE), em que é elaborado um plano de salvaguarda. Ambos os caminhos contam com bons resultados no sentido de aumentar as vendas do artesão. Ao trabalhar com comunidades de artesãos, designers, muitas vezes, procuram agregar valor aos produtos. No caso de comunidades artesanais tradicionais, não seria o caso de preservar o produto ao invés de tentar adequá-lo ao mercado? O fato de um objeto ser feito de determinada forma por centenas de anos não constitui um elemento de valor? Nestes casos, não seria mais interessante educar o mercado para o artesão?

Não questiono e nem discordo da necessidade de apoiar as comunidades tradicionais, desde que elas assim o desejem. O que não concordo é que o governo ou qualquer outro tipo de organização decida, nos gabinetes fechados de Brasília, o que é melhor para estas comunidades, agindo e legislando em nome delas. O fato de existirem ainda no Brasil pessoas produzindo artesanato cerâmico com rolete e queimando as peças com lenha não significa que devemos impedi-las de ter acesso a um torno e um forno elétrico. O artesanato destes grupos não irá desaparecer por conta disso e tampouco irão perder suas características singulares e diferenciadoras. Ao contrário. A adoção de certos padrões propiciará uma produção mais homogênea no que diz respeito aos tamanhos das peças (facilitando sua embalagem e transporte) ou diminuindo as perdas durante a queima. O conflito (quando existe) entre antropólogos e designers reside na dificuldade de ambos perceberem que o problema de cada comunidade é único e singular, já que não existem dois lugares iguais, não cabendo formulas prontas e nem receitas pré-concebidas. Minha forma de começar a trabalhar com uma comunidade ou grupo de produção é ir até lá, sentar para conversar com os artesãos e com eles decidir qual é o destino que almejam e os melhores caminhos para se conseguir aquilo que aspiram e necessitam.

7 de dezembro de 2009

Malas da Memória

As pequenas cidades do interior do Brasil, principalmente aquelas desprovidas de atrativos naturais extraordinários (e preservados) ou de um passado de histórias e feitos, não encontram caminhos alternativos para se desenvolverem e estagnam, ou diminuem de tamanho com o passar dos anos. Vivem de suas memórias muito mais que de uma visão de futuro. Na inexistência de um patrimônio tangível, visível, que justifique ser lembrada, visitada e revistada o que resta são as memórias afetivas de seus cidadãos que migraram em busca de uma vida melhor. Como os muçulmanos que peregrinam à Meca, eles mantém vivo o sonho de voltar a sua cidade para viver, reviver, lembrar e ser lembrado. Este vai-e-vem anual, celebrado em geral na semana de aniversário da cidade, recompõe o tecido social e renova os laços afetivos entre seus habitantes.
Fenômeno pouco entendido e explorado na medida em que não canaliza esta energia positiva em ações, benefícios e investimentos mais permanentes para a cidade.
Muitos destes cidadãos emigrados, que constituíram famílias e empresas em seus novos destinos, sentem-se em dívida com seu passado e por isso sempre voltam. Constituem-se em um público com disposição de compra, que conhece os mesmos códigos, falam a mesma linguagem, possuem um passado comum.

Na nova economia o que detona o impulso de compra das pessoas é a necessidade de atender um desejo ou necessidade ligada a uma experiência vivida e de dar sentido a esta ação. Apenas desfrutar o momento já não basta. É necessário se apropriar de algo que o represente e dê continuidade. Um produto vale hoje pela quantidade de inteligência (ou experiência) que traz consigo, seja por ter uma história própria ou ser testemunha de alguma outra historia real ocorrida. Momentos intensamente vividos, com possibilidade de serem inesquecíveis, exigem uma prova material daquele instante, uma imagem ou um objeto. Da fusão destas aspirações e desejos, muitas vezes implícitos, surge a proposta de criação do projeto ”Malas da Memória”. Mais que uma metáfora das viagens, estas malas serão ao mesmo tempo utilitárias e decorativas, práticas e simbólicas, cheias de promessas de lembranças e recordações, iniciadas com pequenos objetos do dia-a-dia da cidade: Postais precocemente amarelados pelo tempo que representam; um copo para celebrar; uma flor para perfumar; uma santa para devotar e um espelho para lembrar que o tempo passa.

Estas malas podem ser caixas, bolsas, objetos quadrados, retangulares, de papel, de couro, de metal, grandes, médias, pequenas. Trazem colados em sua parte externa, o selo de sua cidade de origem, ou daquelas que com ela participam de seu conteúdo. Numa alusão as tradicionais cestas de Natal, poderão ser oferecidas no aniversário do município ou em grandes eventos, entre amigos, entre famílias, como brinde corporativo. Padronizadas para atender grandes demandas, se transformam no produto preferencial das “Fábricas sociais de Artesanato”. Individualmente customizadas assumem a função de depositárias do inventario afetivo de cada um. As malas poderão ainda se transformar no altar do exílio; em um oratório de devoção; em um quadro de lembranças e feitos ou em uma caixa de pandora. A cada um caberá escolher seu destino.

O projeto “Malas da Memória” se inicia por um processo de divulgação, mobilização, adesão e compromisso. Utilizando as novas mídias e o comercio eletrônico a produção é condicionada à demanda. Os compradores podem definir o conteúdo de sua mala, inserindo ou eliminando itens, definindo cores, texturas e acabamentos. Processo gerador de trabalho e renda para os artesãos locais, as “Malas da Memória” reforçam ainda o sentimento de auto-estima e criam um vinculo afetivo entre as pessoas nascidas em um mesmo lugar. As “Malas da Memória do Brasil” é mais que um conceito. É uma proposta de direito compartilhado por todos aqueles que compreenderem e assimilarem suas regras e condições, baseadas na sensibilidade; no respeito à cultura; no compromisso social; na valorização dos saber e do fazer local e na integração com o meio ambiente.