26 de junho de 2015

Uma viagem ao país Basco

Convidado pela Universidade do País Basco para fazer uma palestra durante os Cursos de Verão, sobre a experiência de Florianópolis ter se transformado em Cidade UNESCO da Gastronomia, estive durante poucos dias viajando por três cidades: Hondarribia, San Sebastian e Bilbao, fronteira da Espanha com a França. Nas duas últimas cidades já tinha passado por elas e dormido uma noite, em 1974 e 1986 respectivamente. Por isso tinha uma imagem já formada em minha memória. À bem da verdade, não eram boas lembranças. Foram tempos difíceis para os que viviam nesta região principalmente por conta do movimento separatistas e a decadência da indústria pesada, força produtiva local. Em minha memória apenas imagens desbotadas, e poucas fotos, de uma cidade fria, úmida e cinza, sem maiores atrativos e fumaça de gás lacrimogêneo no ar.
Talvez por isso a impacto e a surpresa que tive desta vez tenham sido tão grandes. Descobri uma região superlativa, em todos os sentidos, começando pela gastronomia. Os “pintxos” versão basca das “tapas” espanholas. Comi verdadeiras obras de arte culinária, que poderia qualificar como alta gastronomia, não fosse à origem familiar das receitas. Comida criativa, acessível a todos, reinventadas em cada balcão, de cada bar.
Para combinar com estes desafios gastronômicos os bascos tem a sorte de serem os únicos a disporem da uva Txacolina e dela fazerem um vinho branco, ligeiramente carbonatado, equilibrado em sua acidez, fresco e floral. Perfeito pata beber com os pintxos.
Hondarribia é candidata a entrar a para a Rede Mundial das Cidades Criativas da UNESCO. Acho que por isso o convite para conhecer a cidade, visando estabelecer possíveis parcerias com Florianópolis. Não fosse pelo fato de ser uma cidade com menos de cem mil habitantes, limite mínimo estabelecido pela UNESCO para acesso à rede, não tenho nenhuma dúvida que esse título Hondarribia conseguirá. A simples existência das muitas “Sociedades Gastronômicas”, onde tive o prazer de almoçar em uma delas, já justificaria esse reconhecimento. Espaços de confraternização exclusivamente masculina no passado se abriram para as mulheres dos sócios e visitantes, em uma clima alegre e coletivo.
Mar e montanha produzem Insumos exclusivos que somados a qualidade das pessoas já permitiu a conquista de uma estrela no Guia Michelin. O Restaurante Alameda e o Hotel Parador são monumentos de refinamento, e de uma qualidade, que infelizmente ainda não possuímos em Florianópolis.
Por detrás do esforço de colocar a Cidade de Hondarribia no mapa mundial do bom gosto está a Fundação Plaza Arma. Uma instituição de fins lucrativos, apoiada pela prefeitura, que faz às vezes de secretaria de Patrimônio e turismo da Cidade. Possui um espaço pequeno, mas extraordinariamente bem projetado e gerenciado, na praça principal, que nos dá lições de como receber turistas. Em dois dias percorri a cidade de um lado ao outro, inclusive atravessando o Rio que a separa da França, para poder vê-la com o olhar de quem chega pelo mar.
A harmonia do conjunto arquitetônico, no centro histórico, ou no singular bairro dos pescadores, com suas paredes brancas em casas de três andares, portas e janelas azuis, verdes ou vermelhas, de acordo com as sobras de tintas das pinturas dos barcos, transforma-se em um inevitável motivo para produzir fotos de cartão postal.
Em San Sebastian passei a maior parte do tempo, em convivência com grandes mestres da gastronomia em um simpático evento, no Palácio Miramar. Ponto dominante na vista da cidade, foi à morada do Rei da Espanha em sua infância. Nesse evento tive oportunidade de conhecer e conversar longamente com Milagros Del Corral, responsável pela criação da Rede Mundial das Cidades Criativas quando era subdiretora de Cultura da UNESCO. Foi depois diretora da Biblioteca Nacional em Paris e atualmente é romancista. Conhecer a gênese de um processo, pela boca de seu criador é um privilégio.
Fiquei maravilhado com o Centro da Culinária Basca. Um dos mais importantes locais de formação em Gastronomia da Europa. Assim como, com o por de sol, na varanda do Hotel de Londres Y Inglaterra. Imagem gravada no meu Iphone.
Mas nada se supera a surpresa que tive com a Bilbao de agora. Aquela cidade cinza e amedrontadora não existe mais. No seu lugar, uma revolução urbanística, fez surgir uma cidade amigável, desenvolvida, criativa. As sucessivas administrações desde 1984 não se deixaram amedrontar por custos e queixas e contrataram os maiores arquitetos do planeta, para produzirem obras icônicas dessa nova Era, sendo o Museu Guggenheinn o mais expressivo deles. Nesse link podem ver um pequeno vídeo e vão entender o que estou dizendo. https://www.youtube.com/watch?v=cRYlt5uPIfI
Uma das melhores coisas dessa viagem foi conhecer dois grandes personagens: Angel e Josean. Duas figuras humanas da maior qualidade. Cicerones incansáveis, de alto astral. Com eles discutimos inúmeras possibilidades de cooperação e intercambio. A hospitalidade e preocupações de Miren e Alazne para que tudo desse certo, de um profissionalismo impecável e a companhia de Zena Prado Becker, sempre disposta, interessada e participativa tornaram essa viagem em uma Missão Técnica cujos resultados repercutirão em futuro imediato.
Por último visitei o antigo Centro de Design DZ, que já não existe mais, e que teve uma participação importante na historia do LBDI. Novos tempos, novos atores, e a gente fazendo como sempre, coisas muito parecidas. Dizem que isso se chama Sincronicidade.

4 de junho de 2015

Oficina Criativa Design + Gastronomia + Artesanato

Conceito norteador dos projetos
A proposta é promover o entrelaçamento de três atividades da economia criativa. O design intervindo na gastronomia, gerando trabalho e estimulando a demanda de produtos e utensílios artesanais, que produzidos localmente internalizam renda na comunidade.
Como cada alimento tem uma história, uma origem, e uma forma de preparo que pode mudar de uma região para outra, entender essas diferenças e, em suas singularidades, descobrir o repertorio emocional das pessoas, e deles extrair valor, é o desafio proposto. Não se trata da tendência defendida pelo movimento do “Food Design” onde é a experiência no ato de comer é o foco de sua preocupação. Nem tampouco projetar embalagens de produtos alimentícios, conm cara do lugar, ou ainda, intervir na própria forma dos alimentos, como desafio artístico.
O que buscamos será unir os saberes tradicionais das cozinhas com aquele presente nas oficinas artesanais. O sabor de uma soma de saberes, que toca não somente o palato, mas a alma das pessoas.
Cada prato da culinária remetendo a um determinado tipo de sensação e prazer. A uma lembrança, no tempo e no espaço. Cada prato com uma uma linguagem formal e simbólica, que o distinguiam e o coloquem em valor. Dotado de estímulos táteis e visuais capazes de provocar um maior entendimento do valor da experiência presente no ato de alimentar, não somente o corpo, mas também o espírito. Com saúde, prazer, cultura e emoção.
Resultados esperados Novas coleções de produtos relacionados com os principais pratos da culinária de Santa Catarina, tais como: travessas, vasilhames, utensílios e complementos de mesa, na forma de coleções, cuja produção seja preferencialmente local e sua adoção pelos restaurantes comprometidos com o projeto “Florianópolis – Cidade UNESCO da Gastronomia”.
Dotar os pratos de uma referencia simbólica, relacionada com a história ou a cultura do lugar, ampliando a percepção de seu valor. O que se espera são artefatos que proponham uma solução relacionada com sua cultura de origem, estimulando a preservação de hábitos e tradições, porém aberta ao novo, as experimentações que enriquecem e ampliam o repertorio cultural.

Até 1987, em Canasvieriras a forma seguia função. Depois disso a forma passou a seguir a cultura.

Quando chegamos, eu e Marcelo, em Canasvieiras, vínhamos não da vida interplanetária comum nas academias, nem da prática profissional em contextos exógenos. Vínhamos de uma ralação, de quase duas décadas, tentando fazer design, não no centro, mas na periferia do Brasil.
Trazíamos conosco a esperança de um design socialmente mais justo e culturalmente mais responsável, demonstrada no primeiro projeto de promoção de um artesanato local no país. “Santa Catarina – Produto de referência cultural” foi mais que um projeto demonstrativo do design social. Foi à ação pioneira que inspirou a criação dos programas de aproximação do design com o artesanato no Brasil e Colômbia. Projeto esse, que vinha complementar renda nas colônias de pescadores, aproximados com o resgate das embarcações tradicionais, que começamos a fazer. Dessa época ainda dorme no Museu do Mar de São Francisco a primeira baleeira de santa Catarina, em escala 1.5, realizada nas oficinas do LBDI, a partir de instrumentos de medição específicos desenvolvidos para esse fim.
O Núcleo de Bio Design, inédita aproximação do design com a área de saúde, baseada nas demandas dos postos de atenção primária em saúde pública, era muito mais importante que as discussões acadêmicas sobre moderno ou pós-moderno. Numa daquelas noites, um de nós acertou na mosca ao questionar a irrelevância dessa discussão, argumentando que, no Brasil, o design ainda estava na Era Pré-Jeca. Só rindo.
Esse era o espírito que queríamos transmitir aos recém-chegados, de todas as partes do mundo. Ser responsáveis dentro de uma aparente irresponsabilidade. Isso irritava o establisment local, que sempre preferiu suas origens locais para nelas se espelhar. Para mim isso explica a assimetria nas histórias contadas sobre o LBDI, tanto no livro da Ethel como na exposição da Bienal.

1 de junho de 2015

Viagem à terra do sol nascente

Fomos a Kanazawa com dois propósitos. Participar ativamente da primeira reunião anual das cidades criativas e apresentar a proposta de sediar essa reunião em 2017. Um grande desafio. Uma meta ambiciosa a perseguir. Uma forma de demonstração da capacidade de agir proativamente, requisito para uma cidade ser criativa.
A expressiva participação da comitiva de Florianópolis que contava com a Secretaria Municipal de Turismo, o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado e o Presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE SC, era uma clara demonstração da solidez do programa e do compromisso conjunto do poder público e iniciativa privada.
Durante a reunião plenária quando se debatia as contribuições da RMCC às comemorações dos 70 anos da UNESCO, sugerimos que as cidades criativas da gastronomia participassem do evento de abertura da Assembleia Geral em Paris. Por aclamação foi decidido que Florianópolis coordene esse projeto e a cidade de Östersund organize uma mesa redonda sobre o tema.
Esta é a maior oportunidade que Florianópolis poderia aspirar. Ser conhecida pelos chefes de Estado e Ministros de Cultura de mais de 150 países, na sede da UNESCO em Paris, com um espaço próprio de promoção como destino qualificado. Em paralelo a esse desafio temos cinco meses para elaborar um projeto para sediar a reunião anual de 2017. Uma proposta que será avaliada e votada por todas as demais cidades da rede. Deverá conter uma sugestão de temário e demonstrar a infraestrutura disponível para o evento.
Florianópolis está disputando essa indicação com outras três cidades, cada uma com seus méritos. Nassau (Bahamas), Inghein-les-bains (França) e Fabriano (Itália).
Argumentamos que vir o evento para a América do Sul amplia a visibilidade da rede em uma região do mundo ainda com poucas cidades certificadas, além do fato de Florianópolis dispor de infraestrutura de qualidade e experiência na realização de eventos de grande porte, sendo designada capital do Mercosul.
A escolha final da cidade que sediará esse evento será feita pela diretora geral da UNESCO entre os meses de janeiro e fevereiro de 2016, após recebimento das consultas feitas às 69 cidades da rede mundial. Por esta razão a participação de Florianópolis em Paris, no mês de novembro, assume importância estratégica nesse processo. Do mesmo modo as atividades desenvolvidas pelo Núcleo de Inovação Cultural e do Observatório da Gastronomia são provas da capacidade de liderar projetos inovadores.
Caso Florianópolis ganhe a possibilidade de organizar a reunião de 2017, a cidade não apenas terá entrado para o mais seleto grupo que qualquer cidade do mundo desejaria fazer parte. Mais que isso, estaria trazendo toda a rede para dentro de si. E com ela convênios e acordos de cooperação além da visibilidade planetária.
A viagem ao Japão teve também outro beneficio adicional. Conhecer de perto o grau de desenvolvimento e de civilidade que chegaram, servindo de parâmetro e de inspiração para os que pensam o futuro das cidades.
As possibilidades de incremento da cooperação técnica e do intercâmbio com outras cidades criativas fazem parte de uma dinâmica já iniciada. Visitas técnicas realizadas ou programadas para estimular outras cidades a aderirem à RMCC além da confirmação da participação de designers da Argentina, Colômbia, Espanha e México que virão á Florianópolis para colaborar no desenvolvimento do projeto “Saberes e Sabores de Santa Catarina” em julho deste ano, são os primeiros frutos desse esforço.