9 de maio de 2008

Oficinas Criativas de Design (Mea culpa!)

Este artigo procura alertar para os riscos de generalizar uma experiência bem sucedida de design que sem as devidas precauções pode trazer mais problemas que soluções, principalmente frustrar as expectativas dos artesãos.

As oficinas Criativas de Design são reuniões de trabalho cuja duração média é de 80 horas, desenvolvidas durante 10 dias ininterruptos de trabalho, envolvendo designers convidados e selecionados, de várias regiões do país ou mesmo do exterior em parceria com representantes da comunidade visada, cujo desafio é o de resolver problemas de design, de importância regional ou interesse social e cultural, em tempo real.

Este tipo de evento foi realizado pela primeira vez por iniciativa do ICSID – Conselho Internacional das Sociedades de Design Industrial, na cidade de Minsk (na antiga União Soviética), no ano de 1975 e denominado de “Interdesign”.

A primeira oficina Criativa de Design na América do Sul realizamos em Florianópolis em 1993, organizada pelo LBDI – Laboratório Brasileiro de Design e propunha novos e criativos usos para a madeira reflorestada. No ano seguinte conduzimos uma experiência semelhante em Bogotá, desta vez com o objetivo de promover uma renovação no artesanato Colombiano. Na seqüência foram organizadas Oficinas Criativas de Design no México e no Chile, sempre tratando de temas relacionados à solução de problemas de importância social e econômica para uma determinada região previamente definida.

Trazidos para o Brasil por alguns dos participantes que convidamos, e aplicados em comunidades artesanais, viraram panacéia, devido a inegável capacidade técnica dos designers que lograram projetar produtos sedutores e inovadores, porém sem uma ação de continuidade. A multiplicação destas Oficinas Criativas, não observando algumas condicionantes fundamentais, resultou (salvo algumas poucas exceções) em pouca ou nenhuma contribuição efetiva, a não ser a projeção dos designers participantes e das instituições promotoras.

Para se realizar uma Oficina Criativa conseqüente é necessário:
1. Uma pesquisa previa de levantamento de informações e dados e um diagnóstico da situação que defina claramente o problema a ser enfrentado;
2. Compromisso dos organismos promotores em implantar as ações e dar assistência técnica aos artesãos de modo continuado;
3. Constituir equipe cujos coordenadores dos grupos sejam designers com domínio da metodologia, larga experiência e conhecimento de mercado, sem nenhum envolvimento emocional ou interesse local, permitindo assim a necessária distância crítica dos problemas a serem enfrentados;
4. As equipes não devem ser constituídas apenas por designers. É de fundamental importância a participação de especialistas de outras áreas do conhecimento (sociólogos, antropólogos, historiadores, comunicadores sociais, engenheiros de produção entre outros), assim como de representantes da comunidade foco da ação. Estas equipes são geralmente conformadas por pessoal voluntário;
5. O resultado de uma oficina criativa de design são apenas anteprojetos que deverão ser posteriormente detalhados. Em função disto os participantes locais devem assumir o compromisso de concluir os projetos e acompanhar sua implantação, atividade está que deve ser então remunerada.
6. Eventos com menos de oitenta horas nunca apresentam os resultados esperados ou desejados. Existe um tempo mínimo para que as propostas tenham o grau de maturidade necessária;
7. As Oficinas de Design não podem ser vistas como uma solução econômica para resolver problemas de uma comunidade especifica o que configuraria uma postura contrária à ética do design.

Finalmente vale a pena alertar para os gastos excessivos com a publicação de luxuosos relatórios. Estas publicações deveriam ter uma função, no mínimo didática, descrevendo todo o processo de trabalho, não se atendo apenas aos resultados, que somente deveriam ser festejados depois de transcorrido um tempo que permita avaliar seu real impacto sobre a vida da comunidade.

7 de maio de 2008

Quase quatro décadas de design

Chega um momento que decidimos olhar para trás para ver o caminho que percorremos e com isso criar um ânimo novo para enfrentar o que virá. Para ter uma leitura mais fácil desta trajetória optei por dividi-la em décadas, mesmo sabendo dos riscos que um corte esquemático destes impõe. Por isso me concentrarei apenas naquelas nas quais vivi a emoção e o desafio de descobrir e tentar fazer design.

Década de 60
A década do nascimento oficial do design no Brasil


Nos anos sessenta surgiram as primeiras escolas superiores de design no Brasil. Nossas instituições acadêmicas optaram por adotar o modelo de ensino praticado em alguns países da Europa, principalmente na Alemanha Ocidental, cuja base conceitual defendia a primazia da funcionalidade dos produtos sobre os demais atributos, expressa em um dos mais conhecidos enunciados “form follows function” (a forma segue a função). O design surgiu como sendo uma atividade inerente, e indispensável, ao processo de intensa industrialização que atravessava o Brasil.

Na ausência de uma nomenclatura mais apropriada esta nova atividade foi batizada equivocadamente de “desenho industrial” e “comunicação visual”. O design nasceu assim dividido em duas grandes especialidades. Esta tradução incorreta do termo design que significa na verdade projeto criou um entendimento superficial da atividade, relacionando-a somente aos aspectos estéticos e formais do produto, ou ao desenvolvimento dos elementos visíveis da comunicação de uma empresa, ou de um serviço. Incompreensão está que dura até os dias de hoje.

Como atividade emergente, e sem um corpo teórico próprio, o design surgiu antes da percepção de sua necessidade pelas empresas. Estas preferiam importar ou copiar o modelo de seus produtos e embalagens, restando quase que exclusivamente aos profissionais, recém saídos das escolas de design, a possibilidade exclusiva de interferências cosméticas e superficiais nos produtos, ou então o desenvolvimento de marcas e logotipos e peças para as indústrias gráficas principalmente capas de livros, discos e cartazes. O design nasceu no Brasil muito antes de uma demanda real.


Década de 70
A adolescência de uma atividade ainda em busca de sua identidade e de seus mestres


Adotando uma política industrial de substituição das importações o governo brasileiro descobriu no design uma ferramenta estratégica para apoiar o esforço competitivo das empresas nacionais. Diante de uma oferta tímida e incipiente, o Ministério da Indústria e Comércio criou no início dos anos setenta, o Programa 06 de Apoio ao Design, financiando meia dúzia de grupos de design, criados no âmbito de alguns centros de pesquisa, dentre eles o CETEC em Belo Horizonte do qual tivemos o privilégio de participar.

Infelizmente a maioria dos projetos desenvolvidos por estas equipes não chegaram a ser implementados. Faltava por parte dos agentes financeiros uma sistemática de acompanhamento, monitoramento e mecanismos de implantação das ações financiadas. Os profissionais capacitados nestes grupos de pesquisa, em uma contribuição colateral, reforçaram corpo docente das instituições de ensino do design, carentes de professores aportando uma visão mais crítica, e realista, da realidade do mercado e da necessidade do país investir em produtos comprometidos com nossa herança cultural.

Como o mercado ainda era muito pouco demandante a contribuição do design era esporádica, não sistemática e pouca expressiva, gerando em muitos de nós desestímulo e frustração de não poder servir às indústrias. Nosso grupo, em especial, cuja remuneração era garantida pelo Estado, decidiu então redirecionar seus esforços para projetos no campo das demandas sociais, tais como: equipamentos para o meio rural, desenvolvimento de pequenas comunidades periféricas e produtos concebidos sob a doutrina da tecnologia apropriada. Para as pequenas empresas de design, em seu esforço de sobrevivência, restavam as demandas relacionadas com o design gráfico, principalmente projetos de identidade corporativa, embalagens e sinalizações. A exceção, neste período, foi o setor moveleiro. As indústrias de móveis, romperam a inércia e o comodismo, e realizaram várias tentativas de criação de produtos próprios, abrindo o campo de atuação.

Década de 80
Quando o design fez o trajeto inverso e saiu da prática para o discurso


Os anos 80 ficaram conhecidos como a “década perdida”. Expressão cunhada em função da retração dos investimentos e dos modestos índices de crescimento da economia, fruto de seguidos e malogrados planos heterodoxos criados pelo governo.
Diante deste quadro o design não conseguiu dar uma contribuição efetiva à melhoria da oferta brasileira de produtos. Diante da dificuldade em exercer plenamente a atividade por falta de demanda das indústrias, sobrava tempo para pensar e discutir a atividade.
Assim surgiram os primeiros encontros nacionais de design (Rio 79, Recife 81, Bauru 83 e Belo Horizonte 85). O maior esforço de promoção da atividade do design foi realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, que criou um programa específico de apoio ao design, financiando eventos e pesquisas (sobre o ensino de design), publicando livros técnicos e didáticos, concedendo algumas dezenas de bolsas de mestrado e doutorado no exterior e criando os Laboratórios de Design no sul e no nordeste.
Esta ação representou um divisor de águas na história recente do design brasileiro, pois permitiu a sobrevivência da atividade em um período de forte retração econômica. Enquanto isso crescia no país a oferta de cursos de design, vistos muitas vezes como única opção de trabalho para os jovens profissionais, colocando no mercado, ano após ano, um contingente cada vez maior de profissionais, muitas vezes despreparados para o exercício da atividade.

A prática do design ficou restrita, quase que exclusivamente, aos poucos escritórios de design em sua maioria no eixo Rio - São Paulo - Belo Horizonte (com algumas exceções em outras capitais: Curitiba, Florianópolis, Natal, Porto Alegre, Recife e Salvador), a maioria dedicada ao design gráfico apoiados no talento individual de seus principais responsáveis.

Década de 90
Uma década que começou para o design brasileiro, em 1994.


Com a criação do plano real e com a abertura da economia as empresas brasileiras se viram forçadas a despertarem de seu sono cômodo, sustentado por uma secular política protecionista, e tendo de correr atrás da competitividade para fazer frente aos países muito melhor preparados para as disputas internacionais.

A criação do Programa Brasileiro de Design pelo governo federal foi muito mais um marco simbólico que uma contribuição efetiva, devido as parcos investimentos para o desenvolvimento da atividade.

No mundo real o design ressurgiu por iniciativa isolada de algumas empresas que encontraram no design o diferencial que buscavam: os aspectos lúdicos e a dimensão simbólica, traduzidos em produtos despretensioso, inspirado nas ousadias formais italianas, criando as bases daquilo que podemos definir como sendo as características essenciais de um design brasileiro. Características que teimavam em não aparecer sob o peso do passado formalista herdado da escola alemã.

Os meios de comunicação descobrem o design, e a sociedade, de modo geral, passa a ter uma visão mais ampla da atividade e de suas possibilidades.


A primeira década do século XXI
O poder multiplicador do design


A grande novidade dos primeiros anos da primeira década foi, inquestionavelmente, a implantação do Via Design pelo SEBRAE, responsável pela criação de quase uma centena de Centros e Núcleos de Design em todos os estados brasileiros. Este é um esforço que não encontra precedentes em nenhum país da América Latina, e provavelmente no mundo ocidental. A nova oferta de profissionais contratados ou agenciados por esta rede permitiu o desenvolvimento de milhares de projetos, atendendo necessidades das pequenas e micro empresas.

Neste período o design descobre o artesanato, ou vice-versa, criando-se uma profícua dinâmica de mútua colaboração. Dezenas de ações e projetos são desenvolvidas em mais de uma centena de comunidades brasileiras com o apoio de varias instituições publicas e privadas (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Industria e Comércio, SEBRAE, entre outros).

O design se populariza ao mesmo tempo em que a expressão se vulgariza servindo para batizar qualquer atividade que exista na fronteira da criação e da estética. Cabeleireiros viram “hair-designers”; analistas de sistemas “web-designers”; estilistas “fashion designers”; decoradores “designers de interiores” e assim sucessivamente. As especialidades se multiplicam de modo exponencial, do mesmo modo que os cursos de capacitação, em todos os níveis e direcionados a todos os tipos de demandas.

No futuro próximo deveremos assistir, de um lado, uma fragmentação ainda maior da atividade, do outro lado, uma tentativa de agrupar sob o mesmo arcabouço teórico todas as diversas especializações e correntes de pensamento do design. Esta pluralidade de enfoques deverá aportar novas visões e tensões, provavelmente não excludentes, e sim complementares.
O design brasileiro encontra, finalmente, sua maturidade.