2 de maio de 2012

Tempus fugit x arte e design (Como calcular o custo da hora técnica de um projeto ?)

A percepção do tempo, visto como sendo a duração de um determinado evento ou fenômeno, varia de pessoa para pessoa e de uma cultura para outra, sendo um fator decisivo para definir o valor dos acontecimentos com os quais somos confrontados, sendo o mais importante deles a própria vida. Essa importância é devida pelo fato de que nenhum de nós tem a informação de qual será a duração de sua própria existência e pela consciência que a morte é o único e inexorável evento do qual não podemos fugir. Por isso somos levados a conferir mais importância ao tempo na medida que percebemos seu transcurso. Quanto mais o tempo passa menos tempo teremos para viver. 

Uma característica intrínseca da natureza humana, diferente dos demais seres viventes, é a percepção do tempo e de suas dimensões, passado, presente e futuro, que por sua vez moldaram as perguntas fundamentais da filosofia: Quem sou? De onde venho? Para onde vou?
A visão do tempo como sendo a sequência de acontecimentos, uns após outros, nos permite criar uma “linha do tempo” e sobre ela colocar os acontecimentos dentro de uma ordem cronológica. Assim, somos levados a acreditar que todos os eventos que ocorrem no universo obedecem a uma lógica seqüencial e linear.
Ao posiciornamos os fatos dentro de uma dimensão temporal, com os parâmetros que dispomos, julgamos que o passado é tudo aquilo que já foi e o futuro o que virá, sendo o presente apenas uma fração que os divide e que ao ser, já deixou de sê-lo.

Mas existem outras visões e teorias sobre o tempo, sendo uma delas aportada pela física quântica que trata da assimetria do tempo, múltiplo e diferenciado, em função do ponto onde se encontra o observador.  Do ponto de vista poético, Jorge Luis Borges nos surpreende com o magnífico conto “Os jardins de veredas que se bifurcam” que narra a existência de um livro com este mesmo nome, sendo uma parábola sobre o tempo. O tempo não se apresenta em sua concepção como algo uniforme e absoluto. Em suas palavras Borges fala sobre o narrador do conto que descreve: “...Acreditava em infinitas séries de tempo, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos na maioria desses tempos; em alguns existe o senhor e não eu, em outros, eu, e não o senhor; em outros os dois.”

Qualquer que seja a percepção do tempo, uma coisa é certa, nosso tempo é finito. O célebre aforismo de Hipócrates “Ars longa, Vita brevis” nos lembra a efemeridade da existência humana diante da atemporalidade da obra de arte cujo grande propósito é mostrar o que nunca foi visto, de revelar os sentimentos e percepções únicas e singulares de cada individuo e seu potencial criador.

O tempo para os seres humanos de modo geral e para os artistas, em particular, é o maior e intransponível desafio, estabelecendo um limite, quantitativo e qualitativo, para sua produção. Diante das infinitas possibilidades de fruição que a obra de arte poderá proporcionar caberá sempre a busca pela imortalidade da obra e através dela a dos indivíduos, mesmo que anonimamente. Séculos depois de serem realizadas, algumas obras de arte são capazes de provocar profundas emoções naqueles que as contemplam, sendo por isso imortais, diferentemente de quem as produziu. Nunca saberemos quem esculpiu a Vênus de Villendorf há mais de 20 mil anos, porém sua força expressiva continua sendo admirada por gerações após gerações.   

Dentro de uma ótica econômica quando trabalhamos o que vendemos, em geral, é nosso tempo. E, o tempo que dispomos se torna mais valioso quando mais escasso for. Soma-se ao fator tempo a experiência, fruto da vivência sobre um determinado tema ou situação, medida em geral pelo número de horas dedicado na acumulação desta experiência.

A padronização de um modo específico de perceber o tempo, possível de ser fracionado em anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos a partir da observação dos astros, serviu para impor uma ordem em alguns processos de organização da sociedade, para dimensionar os momentos de convívio entre os seres humanos e para calcular o dispêndio necessário de trabalho para realizar uma tarefa. Com o domínio dos mecanismos de medição do tempo, a experiência acumulada na realização de uma determinada tarefa se constitui em informação indispensável para se determinar a quantidade de tempo necessário para repeti-la, quase sempre de modo decrescente, pois a prática leva ao aperfeiçoamento dos métodos e processos utilizados.
A utilidade deste conhecimento sobre a quantidade de tempo necessária para realizar uma atividade serve, por exemplo, para definir os custos de um projeto, já que o que vendemos é nossa inteligência e, consequentemente o tempo que necessitamos para operá-la com eficiência.

De modo simplificado, podemos dizer que um projeto é um conjunto de atividades planejadas, com prazos e custos definidos, cujo resultado final é algo que até então não existia. Esse conjunto de atividades obedece, por sua vez, uma lógica sequencial que se inicia com a definição do problema. Sem um problema para resolver não existe a razão de ser de um projeto. Um problema que tenha o ser humano como preocupação central, que respeite e atenda suas necessidades, expectativas, desejos e anseios, sem desconsiderar as implicações tecnológicas, econômicas, ambientais, sociais e culturais é típica do design. Essa pluralidade de enfoques é o elemento diferenciador do design com as engenharias ou outras disciplinas tecnológicas. A visão do todo é essencial antes de começar a delimitar, definir e detalhar suas partes, e não o contrário.

No modelo conceitual denominado de “Circulo da Inovação e do Design” são oitos os principais passos para a criação e colocação no mercado de um produto ou serviço inovador. São eles: identificação da demanda; identificação da oferta; desenvolvimento de produtos e serviços; adequação dos processos; capacitação das pessoas; agregação de valor; promoção e comercialização. Apresentado deste modo simplificado a lógica proposta pode ser facilmente assimilada. Porém, dentro de cada um desses itens existem varias atividades que devem ser realizadas, cujo detalhamento varia em função das características e do grau de complexidade de cada projeto.

Por razões de natureza prática, sendo a principal delas o controle efetivo das tarefas programadas em um projeto é aconselhável dimensionar as atividades cujo tempo não exceda 40 horas. Isso equivale a uma semana e não podemos nos equivocar e desperdiçar uma semana de nossas vidas. Quanto mais fracionado o detalhamento, mais fácil é seu controle e as correções de rota que se fizerem necessárias no caso de algum atraso involuntário na execução do cronograma.  E, para cada atividade existem seus executores, cujos ganhos são também relacionados com o investimento de tempo que realizam para executarem seu trabalho.
Um profissional deve saber qual é o valor de sua hora de trabalho. Esse é o primeiro dado essencial para a elaboração de um orçamento. Nas sociedades ocidentais, um indivíduo para se sentir remunerado corretamente deveria ganhar o equivalente a sua idade multiplicada por mil dólares por ano. 
A hora de trabalho é o resultado de cálculo de horas de dedicação ao trabalho produtivo por ano. Considerando que um ano tem 52 duas semanas, e descontando o equivalente a quatro semanas de férias e mais uma ou duas para eventualidades sobram, portanto, 46 semanas produtivas, nas quais se trabalha cinco dias por semana e uma média de seis horas por dia. O resto do tempo é utilizado nos deslocamentos, telefonemas, correspondências e um sem fim de atividades rotineiras e burocráticas. 
Exemplificando esta fórmula, uma pessoa de 40 anos dever cobrar, no mínimo, 29 dólares por hora de trabalho (1.380 horas divididas por 40.000 dólares = U$ 28,98), lembrando que sobre esse valor devem ser incluídos os impostos e encargos sociais. 

O tempo para um designer é também objeto de reflexão sobre a permanência das mensagens, produtos e serviços, cuja relevância e compreensão está condicionada ao seu momento e lugar. Usos e costumes mudam constantemente e com eles toda a cultura material e seu universo simbólico e cognitivo. Enquanto a propaganda se pauta pela efemeridade, o design opta pela atemporalidade.

Os designers se realizam quando vêem o fruto de seu trabalho se transformarem em clássicos. Os clássicos são aqueles produtos que superaram suas expectativa de vida, durando no mercado um tempo muito maior que o de seus concorrentes ou similares. Considerando a rapidez com que as coisas surgem e desaparecem, a duração da vida útil dos produtos deve ser uma das preocupações de nossa sociedade, em função da proximidade com o limite da irreversibilidade do impacto ambiental, causado em parte pela descartabilidade e consequente contaminação ao longo do processo de degradação. Ao projetar um produto estamos sempre fazendo uma declaração explícita sobre o tipo de futuro que estamos ajudando a construir. 

Do ponto de vista filosófico os profissionais que têm no projeto a essência de seu trabalho são manipuladores do tempo na medida de sua capacidade de antever e fazer acontecer o futuro como idealizam. Para isso é necessário abdicar da noção de determinismo acreditando que o destino já está traçado e, ao contrário, basear-se na crença de sua capacidade de autodeterminação e de construírem sua (ou nossa) própria sorte a partir de seus atos e intenções.

Em design menos sempre será mais. Isso também vale para compreendermos o tempo em todas suas dimensões e implicações.
O tempo que dispomos para mudar o curso da sociedade, e de seus valores éticos, é cada vez menor frente à quantidade de tempo necessário para operar mudanças culturais profundas e duradouras.

Para concluir lembro as palavras de Santo Agostinho em sua obra “Confissões”. Para ele os tempos são três: O passado no presente, o presente do presente e o futuro no presente. “Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.”
Os tempos, como afirma Santo Agostinho, existem apenas em nossa mente onde o passado é apenas fruto de nossa memória. O presente, por sua vez, é a consciência do momento e de nossa capacidade de ação. Finalmente, o futuro é a resposta às nossas previsões, nossas esperanças e fruto das deliberações que tomarmos agora.

PS.
Para aqueles que conseguiram chegar até aqui, deixo de presente um poema de Mario de Andrade:

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!