23 de fevereiro de 2010

Como iniciar um trabalho em uma comunidade artesanal

Qualquer pessoa que se proponha a desenvolver produtos artesanais deve em primeiro lugar conhecer a realidade cotidiana das pessoas envolvidas nesta produção, seu universo simbólico e afetivo, seus sonhos, expectativas e desejos. O artesão ou artífice não pode ser visto simplesmente como um fornecedor de mão de obra. É antes de tudo o sujeito e senhor de seu destino. A opção pela atividade artesanal, na maioria das vezes, não é determinada pelas circunstâncias desfavoráveis do mercado formal de trabalho. É antes de tudo uma opção de vida. O artesão, ou artesã, deseja estar perto da família, ser senhor de si mesmo e de seu tempo, fazer algo que se situe na fronteira entre o trabalho e o lúdico. Entender esta dinâmica altera profundamente as relações entre os artesãos e aqueles que os apóiam.

Um produto artesanal, ao contrário de um produto industrial deve ter um vínculo profundo com sua cultura de origem. Em um mercado de bens simbólicos o valor de um produto está justamente na quantidade e na qualidade de informação capaz de ser transmitida e assimilada pelos consumidores, e estes desejam mais que adquirir um produto por seu valor aparente, seja este estético, decorativo ou funcional, se apropriar de um produto que tenha uma história por trás de si. Um vínculo espaço temporal que quanto mais preciso for, maior valor agregará ao produto. Deste modo a tarefa de um designer, artista ou estilista deve ser de trabalhar com os artesãos e não para os artesãos, dentro de uma relação dialética que se inicia por penetrar no universo simbólico, único e singular que cada comunidade ou grupo artesanal carrega consigo.

Esta aproximação deve ser de respeito e cuidado para permitir que o diálogo se estabeleça. O método que costumo utilizar se apóia na técnica denominada de “escuta sensível” que visa, a partir das memórias afetivas das pessoas, retraçar sua trajetória individual e de grupo; identificar personagens e fatos que marcaram sua existência; elementos da cultura material e imaterial e iconográfica com os quais os artesãos se identificam.

Minhas experiências pessoais têm demonstrado a necessidade de iniciar por aproximações individuais visando colher informações não contaminadas pelos demais membros do grupo, cujo coletivo participa apenas no momento da validação das mesmas. Do mesmo modo utilizo um roteiro de perguntas programadas, porém flexíveis, que assegura melhores resultados e coerência no momento de analisar e tabular os dados e informações. A imersão na realidade cotidiana das pessoas, feita de modo natural e consentido, permite ainda criar a intimidade necessária para facilitar o diálogo com o grupo. O produto final é um painel identitário com os principais elementos da cultura local, que servem de referência e inspiração para o desenvolvimento de novos produtos.

A disponibilidade para sentir o modo de vida e de ouvir o que os artesãos têm a dizer é o insumo fundamental para desenvolver produtos mais atemporais, únicos e singulares.

17 de fevereiro de 2010

A importância do diálogo criativo

As duplas criativas não são novidades no design, na publicidade ou nas empresas inovadoras que se valem do confronto de idéias e opiniões para alcançar níveis crescentes de inovação e de assertividade comercial.
O processo criativo individual é próprio do artista e assim deve ser preservado e estimulado quando o que se pretende é a consolidação de um estilo e de uma identidade própria. Contudo, quando o que se pretende é a afirmação de uma identidade grupal baseada na alteridade, o “eu criativo” tende a desaparecer. O esforço criativo individual, por melhor que seja, (in)corre dois riscos. O primeiro são as restrições do repertório individual, que por mais amplo que seja será sempre finito. O segundo é a perda da distância crítica provocada pela excessiva proximidade com as soluções encontradas. O confronto de idéias, baseadas em experiências diferenciadas, amplia a percepção do todo e obriga a observar problemas ocultos e descobrir novas formas de expressão. Ainda melhor que as duplas de criação são os trios, os quartetos, os quintetos, os sextetos...de criação, como têm sido sistematicamente demonstrado nas oficinas criativas de design realizadas em todo o Brasil e pelo mundo afora com o nome de “Interdesign”.

Sobre autoria no setor artesanal

Um produto artesanal é uma peça única, que se assemelha a outras, mas nunca é igual. Carrega consigo as pequenas imperfeições da mão que o executa, mas também é o resultado de um esforço, de uma habilidade e de um talento individual. Como tal é uma peça que deveria trazer consigo a assinatura de seu autor. Esta atestação autoral reforça a auto-estima e a responsabilidade com o controle de qualidade de quem executa sendo também um valor diferencial para quem o adquire. A proposta é afixar em cada produto artesanal uma etiqueta com a foto e um resumo do histórico de vida do artesão ou artesã, além do local e data de execução do trabalho. Este procedimento deverá trazer como resultado prático e imediato a redução do número de devoluções por defeitos comuns na entrega de grandes pedidos, executados sempre com premência de tempo e relaxamento dos critérios de qualidade. Para o mercado o autor de um produto artesanal será sempre o artesão e não o designer ou estilista que o projetou. Estes devem aparecer como co-autores da coleção. E, mais do que tudo é assim que as artesãs se consideram, autoras e não simples executoras de seus produtos.