Memórias
Novembro de 2019. UNESCO organiza na cidade de Monza, na Itália, o FOCUS - Fórum Mundial sobre Cultura e Indústrias Culturais. ‘Criatividade, inovação e excelência: do artesanato às indústrias de design e moda”, foi o tema do evento. Participaram 150 convidados e consultores de todo o mundo que atuavam na orbita da UNESCO em projetos e atividades. Convidado para participar por Denise Bax, devido minha colaboração como Jurado da UNESCO em diversas premiações na América Latina, propus convidarem também Anita Pires, naquele momento Presidente da Fundação Catarinense de Cultura, instituição com a qual estava colaborando no projeto de criação do Prêmio Catarinense de Cultura.
Durante esse evento fui procurado por George Pépin, Diretor Geral Adjunto da UNESCO e que atuava como Coordenador da Rede Mundial de Cidades Criativas - UCCN, naquele momento com apenas 19 cidades envolvidas. Provocado a levar essa ideia para o Brasil, e outros países da América Latina em minhas andanças, aceitei como uma missão a ser cumprida. Desse encontro surgiu também a oportunidade de um estágio para minha filha Luiza Barroso (que acabava de terminar um mestrado em Paisagens Culturais pelo programa Erasmus), para colaborar com a equipe de analistas da UNESCO na análise dos dossiês de candidatura à UCCN.
De volta ao Brasil me propus identificar, estimular e apoiar novas candidaturas.
João Pessoa como cidade do artesanato devido as ações que lá estavam sendo empreendidas pela primeira dama do Estado Silvia Cunha Lima, como exemplo a abertura do notável Museu de Arte Popular Janete Costa. O dossiê foi elaborado pelo Programa de Artesanato coordenando por Marielza Targino, cujo prefeito naquele momento era Ricardo Coutinho, desafeto do governador e que por isso se recusou assinar o dossiê.
Florianópolis como cidade da Gastronomia pois assisti a cidade evoluir em 20 anos na cena gastronômica de modo notável (Floripa produz mais de 95% das ostras no Brasil). Dossiê foi realizado através da Associação FloripAmanhã, com o apoio da FAPESC, e um grupo de trabalho com representantes das Universidades, da ABRASEL, SEBRAE e Prefeitura.
São Paulo como cidade do design, através de um contrato entre a Prefeitura e o Instituto d`Amanhã.
A tramitação desses processo enviados para a UNESCO em Paris, onde entravam em fluxo continuo e sem critérios estabelecidos, tornava-se muito lenta. Os dossiês não obedeciam a formatos predeterminados. Nesse ir e vir de análises e pedidos de informações e ajustes, em 2011 o programa foi temporariamente colocado em stand by, suspensão essa nunca admitida oficialmente pela UNESCO. A aceitação de novas candidaturas somente foi retomada em outubro de 2013 porém com novas regras, nossos critérios, novas exigências e tamanho de textos definidos para cada pergunta em formulário digital. Ou seja, recomeçar do zero a elaboração dos dossiês de candidatura, com um prazo de apenas três meses para a próxima entrega programada para março de 2014.
Fevereiro de 2012. Nenhuma cidade brasileira na UCCN. Pedidos com análise parada na UNESCO. Neste momento Claudia Leitão, então Secretaria de Economia Criativa junto ao Ministério da Cultura, me convida para elaborar o projeto de Criação de uma Rede Brasileira de Cidades Criativas, com financiamento do ITAU Cultural. Com o apoio de vários especialistas definimos um conjunto de critérios e de metodologia que nunca chegara ser implementadas em virtude da extinção da Secretaria de Economia Criativa.
Florianópolis
Novembro de 2013. Contratado pelo SEBRAE SC aceitei o desfio de refazer o dossiê. Tendo em vista as novas determinações que as candidaturas seriam avaliadas não somente por seus diferenciais e seu histórico de atuações no segmentos nos últimos 4 anos, mas também, e principalmente, pelo que pretendiam fazer se conquistassem o título de cidade criativa. Vi nessa exigência a oportunidade de propor dois projetos estruturantes: a criação de um Observatório da Gastronomia e de uma Laboratório de Inovação e de dois projetos estratégicos: Saberes e Sabores de santa Catarina e da Cachaça Solidária. Uma Oficina de Design Territorial que coordenei na UDESC reforçou a legitimidade dessas escolhas.
Conquistado seu acesso a UCCN em outubro de 2014 Florianópolis começou a se fazer representar intensamente nas atividades da Rede. No Encontro Anual de 2015, em Kanazawa no Japão, Florianópolis teve sua primeira participação na UCCN, tendo sido representada pela Secretaria de Turismo de Florianópolis Zena Becker, pelo Presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE/SC Sérgio Alexandre Medeiros. e pelo Presidente da Assembleia Legislativa de SC, Deputado Gelson Merisio. Em minha fala, escolhido como ponto focal de Florianópolis, propus a candidatura da cidade sediar o encontro mundial em 2017 criando uma visibilidade imediata para a cidade que acabava de entrar na Rede. Em votação posterior a partir da análise das propostas detalhadas a cidade escolhido pela UNESCO foi Enghien Les Bains, na França.
Os projetos pactuados por Florianópolis com a UNESCO foram fruto do esforço de arregimentação e negociação da Associação FloripAmanhã, tendo Zena Becker e Anita Pires à frente.
Enquanto estava morando em Florianópolis procurei contribuir ao programa, atuando como diretor de Inovação do FloripAmanhã e dentre as ações realizadas coordenei uma Oficina Criativa “Saberes e Sabores de Santa Catarina” que foi um exemplo de organização e resultados. Acolhidos na UDESC conseguimos reunir designers de experiência internacional (Argentina, Alemanha, França e México) que junto com artesãos e ceramistas locais desenvolveram uma coleção de vasilhames de suporte e valorização da gastronomia Catarinense.
Florianópolis tem sido uma das cidades Brasileiras que mais tem tirado proveito dessa rede, participando de eventos organizados pelas cidades criativas da gastronomia em todo o mundo nos últimos dez anos, tendo enviando técnicos e chefs para representar a cidade em Popayan na Colômbia, Zahle, no Líbano, Gaziantep na Turquia, Jeonju na Coreia do Sul, Macau na China, Parma na Itália, Puket na Tailândia, Braga em Portugal, Buraydah na Arábia Saudita, entre outras. Eu pessoalmente representei Florianópolis nos eventos na Espanha (San Sebastian e Hondarribia 2015), na Suécia (Ostersund 2016) e na China (Pequim 2016)
Agosto de 2015. Tendo aceitado um convite como professor visitante do Tecnológico de Monterrey, me mudei para a cidade de Puebla no México, onde colaborei com as candidaturas de Ensenada (Gastronomia) e Puebla (Design) ambas aprovadas em 2015.
João Pessoa
Maio de 2017. Convidado por Regina Amorim, do SEBRAE/PB para ministrar um palestra em João Pessoa sobre Economia Criativa. Participavam do evento o secretaria executivo de Turismo da João Pessoa, Graco Parente, que sensibilizado pela ideia de retomar a candidatura da cidade orquestra uma reunião conjunta entre SEBRAE e Prefeitura para viabilizar minha contratação como consultor responsável pela organização do dossiê.
Através de reuniões com todos os responsáveis pelas instituições, públicas e privadas, que atuavam nas distintas áreas da Economia Criativa definimos pelo segmento do Artesanato, não apenas por sua expressividade local, e muito mais pelo fato de João Pessoa poder ser a porta de escoamento da produção artesanal da Paraíba mas, principalmente, em virtude de seu potencial de crescimento e dependência de estímulos de uma política pública mais efetiva, coisas que a conquista do título poderia trazer.
Mais uma vez construímos o dossiê de candidatura, apoiado pelo SEBRAE/PB, e focado principalmente nas ações futuras, tendo sido proposta a atuação em três frentes, tendo como referência as experiências de Florianópolis. Primeiramente com três projetos estruturantes. Um Laboratório de Inovação e Design que seria responsável pela criação de uma oferta seletiva de um artesanato de referência cultural. Os produtos projetados seriam produzidos por uma Fabrica Social de Artesanato e comercializados por um espaço de vendas e promoção.
Como projetos estratégicos definiu-se a realização do “Saberes e Sabores da Paraíba”; uma Cartografia das Singularidades Culturais e a promoção de um encontro dos secretários de planejamento das cidades criativas do Brasil.
O dossiê foi encaminhado pelo Gabinete do Prefeito Luciano Cartaxo e aprovado pela UNESCO em outubro de 2017. Ao tomar conhecimento do resultado positivo foi convocada uma reunião com todos os secretários para explicarmos a importância da cidade ter entrado para a UCCN os compromisso pactuados com a UNESCO no dossiê. Para dar suporte na implementação dos projetos prometidos me foi proposto coordenar essas ações.
A primeira delas foi a abertura do Celeiro Espaço Criativo, no bairro mais nobre da cidade, o Altiplano. A proposta dessa localização era ofertar e promover o melhor do artesanato e da arte popular da Paraíba junto ao público de maior poder aquisitivo e formador de opinião. Com o tempo constatei que essa proximidade física não é suficiente para trair público se não houver uma estratégia mais assertiva e focada de promoção institucional direcionada aos formadores de opinião. Apesar dos esforços de seus curadores o resultado financeiro sempre foi muito aquém do esperado. Na gestão seguinte do Prefeito Cicero Lucena o Celeiro foi transferido para o Hotel Globo, aproximando finalmente a oferta de uma demanda receptiva ao artesanato que são os turistas que visitam o centro histórico da cidade.
Entre 2018 e 2020 o Celeiro serviu também para abrigar o LABIN – Laboratório de Inovação e Design, por mim coordenado e responsável pela gestão do Programa João Pessoa Cidade Criativa. Para estruturar uma equipe mínima contei inicialmente com um designer em final de curso do México, Daniel Farfán, que abraçando o artesanato é hoje presidente do IBEROARTE. Da Prefeitura vieram Marianne Góes e sua pequena equipe de apoio, conferindo a energia necessária para implantar os projetos propostos.
O primeiro deles foi a criação e a realização do Primeiro Encontro das Cidades Criativas do Brasil - ECriativa, em março de 2018, em João Pessoa, apresentado seu primeiro regulamento que foi aprovado no ano seguinte, na segunda ECriativa em março de 2019, em Florianópolis, dando início a atual RBCC.
A formalização do LABIN – Laboratório de Inovação e Design para o Artesanato Competitivo, foi conseguida somente na gestão de Cicero Lucena, através de uma inédita articulação entre a Prefeitura de João Pessoa, Governo do Estado, SEBRAE e Governo Federal, passando a ocupar um espaço no recém inaugurado CRAP – Centro de Referência do Artesanato Paraibano no centro de João Pessoa e atuando como Núcleo de inteligência e execução.
Através do LABIN organizamos as Oficinas Criativas de Design para o Artesanato, trazendo designers experientes criando coleções de produtos de referência cultural. Laila Assef, Renato Imbroisi, Tulio Paracampos foram os primeiros a deixarem sua contribuição. A coleção desenvolvida de cerâmica de suporte e apresentação da gastronomia afetiva da Paraíba, a partir de informações obtidas com uma pesquisa sobre memórias emocionais, foi o primeiro evento organizado de aproximação entre o design e o artesanato, através da gastronomia. A coleção ‘Saberes e Sabores da Paraíba”, foi desenvolvida para ser produzida pela “Fábrica Social de Artesanato”, terceiro equipamento do tripé inicialmente concebido de apoio ao Programa proposto para a UNESCO, que até hoje, transcorridos oito anos da conquista do título a Fabrica ainda não saiu do papel.
Iniciamos por buscar informações sobre os ativos e as dinâmicas culturais em João Pessoa. Em parceria com o departamento de design da UFPB, Professor Kleber Barros, foi realizada uma pesquisa sobre a “iconografia de João Pessoa” apontando os elementos mais expressivos de sua matriz cultual. Um concurso de Fotografias do Centro histórico denominado de “João Pessoa do meu afeto” para estimular o orgulho de pertencimento. Uma pesquisa sobre os pontos de interesse da cidade nas sete áreas da Economia Criativa, para compor o conteúdo do aplicativo “Cartografia das Singularidades Culturais”. Todas essas ações culminaram com a realização de um Seminário de Identidade Cultural para ratificar ou complementar as informações coletadas.
No anos seguintes, em todas as edições dos Salões Estaduais de Artesanato, realizados em janeiro em João Pessoa e junho em Campina Grande, foram realizadas pesquisas de oferta e demanda de artesanato, dando os subsídios necessários para organizar um programa de capacitação para artesãos. Estas pesquisas demonstram a importância de contar com dados e informações, atuais e confiáveis, para apoiar os processos de tomada de decisão.
Durante a pandemia o Programa João Pessoa Criativa continuou atuando em várias frentes. Organizou os primeiros encontros virtuais das cidades criativas da América Latina e o Prêmio Criativos 2020, cuja importância da iniciativa o incluiu dentre as 100 realizações mais relevantes durante a Pandemia em um publicação oficial da UNESCO.
Com a mudança no comando da cidade em setembro de 2021 o Prefeito Cicero Lucena renova a contratação de toda a equipe do LABIN, que tiveram seus contratos de trabalho cancelados ao final do mandato do prefeito anterior, permitindo a retomada das ações interrompidas.
No final de 2021 João Pessoa teve de apresentar sua proposta de continuidade na rede e para isso propõe-se a criação de um Distrito Criativo no centro histórico de João Pessoa, projeto que finalmente em 2025 é enviado pelo prefeito para a Câmara dos Vereadores.
Neste período que mantive um contrato de consultoria com a Prefeitura de João Pessoa, de fevereiro de 2018 ao final de 2025, contribuí com a Rede Brasileira de Cidades Criativas com a proposição de uma “Ferramenta de avaliação do grau de maturidade das cidades criativas” e do “Manifesto das Cidades Criativas do Brasil”, documento que serviu de base para a Carta de Santos que elaborei com o endosso de Indrasen Vencatachelum (responsável pela criação da UCCN quando era diretor da UNESCO).
Em janeiro de 2025, em cerimônia realizada em João Pessoa, com a participação de 40 instituições internacionais, foi criado o Conselho Ibero-americanos para o Artesanato e a Arte Popular - IBEROARTE.
E finalmente, durante todo o ano de 2025 foi realizado o pioneiro programa de capacitação dos Agentes de Inovação e Design para o Artesanato, com o co-patrocínio do SEBRAE.
Nos oito anos que dei minha contribuição à João Pessoa, representei a cidade nos eventos da UCCN na Polônia (Kracóvia e Katovice), na Itália (Fabriano), em Portugal (Braga e Castelo Branco), na França (Enghien Les Bains) além de ter organizado duas missões técnicas de alto nível para a Colômbia (2022) e o México (2024) com autoridades das Prefeituras de João Pessoa, Campina Grande, Conde e do Governo da Paraíba.
Fortaleza
Março de 2018. Claudia Leitão, dirigindo o Observatório de Fortaleza e envolvida com a criação do Distrito Criativo de Fortaleza, me convida para apresentar uma proposta para assessorar na elaboração do dossiê de candidatura de Fortaleza como Cidade Criativa do Design, não somente em virtude da experiência com os dossiês de Florianópolis e João Pessoa, mas principalmente por ter sido responsável pela introdução do design no Ceará, com a criação do CDC em 1996 formando a primeira geração de designs locais.
Para a realização do dossiê o SEBRAE/CE viabiliza a contratação de minha consultoria e o prefeito de Fortaleza constituiu um grupo de trabalho. Participam pelo SEBRAE/CE Joaquim Cartaxo, superintendente e Diva Mercedes; Pelo IPLANFOR Claudia Leitão, Diretora do Observatório de Fortaleza; pela Secretaria de Cultura de Fortaleza: Paola Braga, Secretaria Executiva; pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza; Sandra Paula; pela Secretaria da Cultura do Ceará Laízi Fracalossi, Coordenadora da Economia da Cultura; pelo SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Eveline Costa; pela FIEC – Federação das Indústrias do Ceará: Luis Carlos Sabadia, diretor do Museu da Indústria do Ceará; pela Universidade Estadual do Ceará Kadma Marques; pelo Centro Universitário Estácio do Ceará Antonio Carlos da Silva e pela Associação dos Designers do Ceará Alysson Reis, presidente, que se reúnem regularmente para apresentar e discutir as propostas.
Demonstrando o interesse e disposição de participar da Rede Mundial de Cidades Criativas o SEBRAE Ceará organiza a 2ª Jornada Ibero Americana Design e Artesanato, em novembro de 2018, com a participação de convidados das cidades criativas de Puebla, San Cristóvan de las Casa, Cidade do México e Bogotá. Em março de 2010 Fortaleza envia seu ponto focal, Alberto Gadanha, para participar como ouvinte do 2º ECriativa, Encontro anual das cidades brasileiras da UCCN em Florianópolis.
O dossiê foi encaminhado com as seguintes propostas de criação dos seguintes equipamentos, tal como descritos:
“Centro de Design do Ceará
Espaço de valorização, reflexão, promoção e difusão da cultura do design e de suas interfaces com as demais linguagens da Economia Criativa. Atuação em pesquisas, formação e cursos; capacitação de Empresários, consultorias, e Inovação a partir do design.
Distrito Criativo de Fortaleza
Espaço territorial que cobre o bairro da Praia de Iracema e o Centro da Cidade de Fortaleza promovendo sinergias entre os empreendedores criativos, através de clusters, startups, incubadoras, coworkings e micro e pequenos negócios.
Laboratório de Inovação Cultural
Espaço de cocriação e experimentações em arte, design, cultura e tecnologia.
Observatório do Design
Plataforma digital destinada a fornecer os elementos essenciais para os processos de tomada de decisão relacionados com políticas de inovação e design. Alcance nacional, coletando, processando, tratando e disseminando dados e informações, atuais e confiáveis, sobre a oferta e demanda em design”
Em outubro de 2019 Fortaleza entra para a UCCN.
Campina Grande
Março de 2021. No hiato que se criou entre o final do mandato de Luciano Cartaxo e a nova gestão de Cicero Lucena na prefeitura de João Pessoa, eu em Marianne Góes prestamos consultoria, através de contrato com o SEBRAE/PB, para coordenarmos a candidatura de Campina Grande à UCCN.
Uma palestra de sensibilização no ParqTec, e uma Oficina de Design Territorial apontaram para o segmento das Artes Midiáticas, até então sem nenhum cidade representada no Brasil. Essa Oficina resultou na proposição da Carta da Cidade Criativa. Um conjunto de orientações, projetos e ações bases para uma política pública para a Economia Criativa. Esse Carta foi homologada pelo Prefeito e servindo de um guia na elaboração da candidatura à UCCN.
Campina Grande tinha para mim um significado especial. Era a terra de Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque. E com Lynaldo tenho uma eterna dívida de gratidão. Foi ele que apoiou e colocou fichas em meus sonhos de futuros possíveis a partir de perspectivas diferentes nos idos anos 80, através do design e das tecnologias apropriadas, em ações pioneiras e transformadoras. Foi Lynaldo que trouxe para Campina Grande o primeiro computador do nordeste e fez dela o primeiro polo tecnológico do Brasil. Conquistar este título de cidade criativa para Campina Grande, passou a ser um desafio, um tributo à Lynaldo, que dependia agora de nossa capacidade de articulação e de imaginação.
O primeiro obstáculo a ser superado era a ausência de uma associação dos criadores digitais, dos artistas midiáticos, que pudessem participar da construção desse dossiê. Desafio aceito e respondido coma criação da ABRAMID – Associação Brasileira de Arte Mídia. O título de cidade criativa da UNESCO nas Artes Midiáticas foi atribuído em outubro de 2021.
A dificuldade do poder público local entender e valorizar a conquista deste título se traduziu em uma inação, abrindo espaço para a academia assumir o protagonismo das ações e representações. Graças aos esforço isolados do Professor Marcelo Barros, da UFCG, que Campina Grande tem conseguido cumprir com todos os compromissos assumidos diante da rede.
Penedo
Novembro de 2022. Uma viagem à Penedo para identificar o potencial local que justificasse uma eventual candidatura à UCCN, foi organizada por Jair Galvão, recém empossado como Secretário de Turismo da Cidade, trajetória profissional foi sedimentada no Ministério do Turismo, cuja visão de futuro e disposição para o trabalho foram os elementos determinantes para o sucesso da candidatura de Penedo.
Contratado pelo SEBRAE/AL dei início à construção do dossiê com a realização de uma Oficina de Design Urbano que permitiu identificar, dentre as muitas vocações da cidade, aquela com o maior potencial expressivo: o cinema, cujo DNA estava impregnado na memória coletiva.
A proposta foi resgatar essa vocação, ampliar a projeção do Festival, conectar-se com outros parceiros.
Os princípios de uma política pública para a Economia Criativa em Penedo foram definidas na “Carta da Cidade Criativa”, manifesto subscrito por representantes das instituições que compunham na cidade a hélice tríplice da inovação (poder público, academia e iniciativa privada) apontando a criatividade como motor de seu desenvolvimento, dando início ao processo de candidatura da cidade.
O primeiro passo nessa direção foi um acordo de cooperação com Santos, até aquele momento a única cidade do Cinema na América Latina.
Um projeto demostrando a disposição e capacidade de cooperação de Penedo foi o audiovisual “Economia Criativa com Sotaque Nordestino”, produzido em cooperação com João Pessoa, Campina Grande, Fortaleza e Recife.
A formalização do consórcio Penedo Criativa com a participação do Governo do Estado, SEBRAE, CODEVASF, BNB, UFAL e Prefeitura deram robustez a candidatura, assim como a formalização da Secretaria de Turismo e Economia Criativa, coordenando a execução dos projetos propostos.
Penedo foi admitida na UCCN em outubro de 2023.
Futuros possíveis
A Rede Brasileira de Cidades Criativas - RBCC é ainda um projeto, na expectativa de vir a ser.
Sua existência somente existirá de fato quando houverem projetos sendo executados em cooperação entre as 16 cidades do Brasil, ocorrendo efetivamente o intercâmbio das melhores práticas e corrigidas suas fragilidades estruturais, dentre elas:
1. A representatividade formal hoje exclusivamente centrada na figura de um “ponto focal”, em sua maioria sem equipe de apoio, sem poder decisório nas mãos e atrelado a uma agenda política.
2. A inexistência de uma figura jurídica para a RBCC dificultando o acesso a fontes de financiamento.
3. O desconhecimento pela sociedade que o título de “cidade criativa” a ela pertence e não a uma determinada gestão municipal.
4. A existência de critérios de seleção para acesso à rede mundial e do monitoramento de cumprimento das metas pactuadas para a permanência das cidades na mesma.
Com relação a representatividade das cidades na UCCN defendo que este cargo deveria ser uma prerrogativa do prefeito, nomeado um servidor de carreira, que possa permanecer na função nas alternâncias no poder municipal. Este ponto focal deverá, evidentemente, dominar uma das duas línguas oficiais da UNESCO, o inglês ou o francês, para poder participar do único compromisso compulsória das cidades da UCCN que são os encontros anuais. Este ponto focal deve ser assessorado por um grupo gestor, e eventualmente por eles substituído, conformado por representantes do poder público, da iniciativa privada, da sociedade civil e da academia.
Em algumas cidades foi a inação do poder público que levou a auto indicação como pontos focais de representantes de instituições que estiveram envolvidas na obtenção do título. Esse é o caso de Campina Grande, cuja interlocução proativa e assídua, tem sido exercida pelo professor Marcelo de Barros da UFCG e ABRAMED e por Florianópolis, que graças a Associação FloripAmanhã, tendo à frente Anita Pires, assegurou uma produtiva participação da cidade em todos os encontros anuais e nos eventos do subcluster da gastronomia. Em outros casos, tem sido a inação do ponto focal, que levou ao distanciamento da cidade aos eventos e objetivos da rede, principalmente por falta de poder decisório, não conseguindo sequer o custeio de sua participação nos encontros anuais da UCCN. Mantem-se na função apenas pela expectativa de usufruir do turismo cultural internacional. Centralizam e não compartilham as informações inviabilizando que outras pessoas representem a cidade em eventuais demandas da rede. Mesmo sem realizar eventos de cooperação com outras cidades, objetivo principal da UCCN, e sem a necessidade de citar nomes, alguns agarram-se a essa função a ponto de defenderem a ideia da manutenção dos pontos focais que forem destituído dessa função como representante da cidade no ECriativa. Com qual finalidade a não ser o turismo cultural, pois se anteriormente não tinham poder de decisão muito menos depois de destituídos de sua função?
De modo geral, a maioria dos pontos focais das cidades da RBCC tem sido substituídos na mudança da gestão municipal, sem deixar uma memória das atividades e projetos, desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Representar a cidade como ponto focal junto a UCCN deveria ser objeto de um código de conduta, cujas atribuições deveria ser também, e principalmente, representar os anseios e expectativas da segmento da economia criativa que a cidade escolheu como vocação principal. Isso significa ter uma canal de comunicação direta com os agentes criativos da cidade, prospectando dados e informações, atuais e confiáveis, que possam apoiar os processos de tomada de decisão. Essa consulta é uma estrada de duas vias, pois ao mesmo tempo que se coleta uma informação na forma de um problema cria-se a expectativa e o compromisso de buscar uma resposta na forma de solução.
Ser ponto focal é implementar e coordenar as ações pactuadas pela cidade em seu dossiê de candidatura. É coordenar os esforços de divulgação do título de “cidade criativa” em todas as instâncias do poder e da sociedade, demonstrando que esse é um título conquistado pela cidade, e não pela gestão, e sobre promessas de futuro que a gestão se comprometeu em realizar. A autonomia político partidária do ponto focal é vital para exercer sua função com distancia crítica e emocional, e poder cobrar, de cada novo gestor municipal, o apoio à continuidade da cidade na rede.
Ser ponto focal é colocar a cara pra valer, participando ativamente dos encontros anuais da UCCN, e do subcluster, seja onde for. O custeio dessas participações devem fazer parte do orçamento do programa municipal “cidade criativa” apresentado pela municipalidade à UNESCO. Acredito também que o ponto focal deva ser exercido por um cidadão do município e nele residente.
No caso de João Pessoa o ponto focal, formal, é Marianne Góes, Diretora de Economia Criativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura, cuja dificuldade em conciliar suas outras atividades com as viagens, inviabiliza sua efetiva participação nos encontros internacionais, razão pela qual assumi esta função quando foi necessário.
Outra possibilidade é que a função de ponto focal seja exercida pelo(a) Secretario(a) de Municipal da pasta encarregada do tem economia criativa, como é o caso de Santos (Selley Sterorino) e Penedo. O sucesso das atividades realizadas em Penedo deve-se ao envolvimento e dinamismo de seu Secretário de Turismo e Economia Criativa, Jair Galvão, demostrando que as pequenas cidades são muito mais efetivas na Rede que as grandes capitais. Penedo entrou para à UCCN em 2023 como cidade do cinema, junto com o Rio de Janeiro como cidade da literatura. De lá para cá todo mês Penedo realiza alguma atividade relacionada como sua candidatura. Promoveu o 7º Ecriativa, esteve em todas as reuniões organizadas pela UCCN. Do Rio de Janeiro nenhuma manifestação, apenas ausência nos encontros da Ecriativa e da UCCN.
A segunda grande fragilidade da RBCC é a falta de uma personalidade jurídica que permita acesso as fontes de financiamento, aos editais governamentais e se fazer ouvir nas ações de construção de políticas públicas em economia criativa, como vem ocorrendo.
A insistência de algumas pessoas, do governo atual, em criar uma outra Rede de Cidades Criativas do Brasil para acomodar as cidades que foram preteridas nos processos seletivos, é apenas uma tentativa de proselitismo político sem efeitos práticos, caso não venha acompanhada de instrumentos efetivos de financiamento.
A recente recriação da Secretaria da Economia Criativa Contudo, no Ministério da Cultura, e novamente dirigida por Claudia Leitão, que volta ao cargo doze anos depois, traz consigo a proposta dos Territórios Criativos, com financiamento pela Lei Rouanet. Uma oportunidade para as atuais cidades da RBCC ampliarem o alcance de suas ações para as cidades vizinhas criando um verdadeiro ecossistema de inovação e criatividade.
Defendo a criação de um fundo que assegure a realização semestral dos Ecriativa´s e a participação das cidades da RBCC nos Encontros anuais da UCCN. Esse fundo deveria ser uma contribuição paga quando da apresentação dos dossiês, como uma taxa de entrada na aquisição de uma cota de clube, além de uma taxa anual, elemento compulsório de despesa inserida previamente no dossiê de candidaturas como compromisso público. Quanto cobrar? Como fazê-lo? Através de quais mecanismos legais? Para quem devem ser pagas essas taxas? Caberia a UNESCO definir. Talvez essa seja a única medida capaz de garantir 100% de participação das cidades da RBCC nas reuniões da UCCN.
A terceira e crônica fragilidade da RBCC é o total desconhecimento da maioria da população das cidades sobre a conquista do título de cidade criativa. Para que isso seja considerado uma verdade todos deveriam estar imbuídos do desafio de buscarem sempre o melhor, o mais criativo e inovador, em seus problemas do cotidiano. As ações da municipalidade de estimulo à economia criativa deveriam reverberar na sociedade, na forma de ações afirmativas, gerando oportunidade de trabalho que privilegiem a inteligência, estimulando conexões entre os diversos agentes criativos.
Uma divulgação mais intensa sobre o fato da cidade ter sido considerada criativa pela UNESCO, tem pouco significado para a população se isso não vier acompanhado de ações inovadoras, impactantes, viáveis e reais.
E por último, e nem por isso menos importante, considero uma fragilidade da RBCC o desconhecimento sobre os critérios de seleção para acesso à rede mundial utilizados a partir de 2025, cuja responsabilidade foi atribuída pela UNESCO ao comitê nacional. Uma das recomendações da UNESCO era o de privilegiar as cidades de segmentos menos representado no pais ou região. Arte Midia (Campina Grande) e Artesanato (João Pessoa) respectivamente os dois clusters menos representados com apenas uma cidade perderam a vaga para gastronomia que já possuía 4 cidades na RBCC (Floripa, Paraty, Belém e Belo Horizonte) ao escolherem Manaus, preterindo Maceió e Ouro Preto, inquestionáveis cidades artesanais.
Do mesmo modo hoje questiono a escolha em 2023 do Rio de janeiro como cidade da Literatura competindo com Poços de Caldas. As cidades de pequeno porte atribuem muito mais valor a esse título que as grandes cidades, tirando muito mais proveito nas atividades de cooperação e intercâmbio.
Falta a rede desejo, capacidade e instrumentos de monitoramento das atividades pactuadas. Nos dossiês de candidaturas as cidades fazem lindas promessas, jamais cumpridas e fica por isso mesmo.
Vejo a RBCC como uma possibilidade de múltiplas conexões entre atores com os mesmos ideais, entre pesquisadores com as mesmas intenções, entre gestores com a mesma disposição de ampliar fronteiras.
A RBCC deveria contar com um grupo de notáveis para atuarem como “embaixadores da economia criativa” realizando eventos, desenvolvendo projetos, contribuindo nas proposições e análises. Um espécie de núcleo de inteligência capaz de identificar tendências e possibilidades de cooperação.
Floripa, setembro de 2025.
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