Naquele ano de 1999 eramos muitos, de
muitos países, preocupados com o futuro do artesanato em um mundo cada vez mais
globalizado. Sonhamos sonhos possíveis, alertando para o risco da perda de
identidade e do necessário esforço de prover os meios necessários para que o
desenvolvimento se fizesse de modo harmônico.
Reconhecemos a importância do design como instrumento de
inovação e preservação da cultura local, expresso em um longo capitulo nos
anais do evento.
Dos que firmaram esse documento histórico, muitos já se
foram, restando aqui e agora apenas eu e Manuel Ernesto como testemunhos de um
momento onde o artesanato deixava de ser uma preocupação relacionado ao bem
estar social, para uma dimensão mais ampla, economicamente viável e culturalmente
responsável.
Propúnhamos a criação de grupos de apoio permanente aos
artesãos, apoiando todas as etapas do ciclo de produção. O Laboratório Brasileiro de Design - LBDI era nossa referência como grupo pioneiro na
prática e difusão do design social. Os resultados de um projeto de pesquisa e
desenvolvimento de uma coleção de produtos artesanais de referência cultural de
Santa Catarina inspirou Artesanias de Colômbia, que nos convidou para propor
uma politica de design para o artesanato.
20 anos depois são 33 Laboratórios de Design e Inovação,
atendendo todos os 33 estados da Colômbia. Mais de 1.300 coleções de produtos
desenvolvidos. Expoartesanias, a maior e mais importante Feira de Artesanato da
América Latina, realizada sempre no mês de dezembro em Bogotá, tem hoje como
critério de seleção a inovação e o vínculo cultural dos produtos que serão
exibidos e comercializados.
O Artesanato no México, de excepcional riqueza, com expoentes
únicos como as cerâmicas de Mata Ortiz ou os bichos e alebrijes de Jacobo em
Oaxaca, que aparentemente prescindiram do design como protagonistas do processo
de criação, não são tradições ancestrais. Foram fruto da inteligência de um
homem, que as foi transmitindo e seduzindo outros a fazerem o mesmo, pois
descobriram um nicho de mercado que hoje valoriza o autêntico e exclusivo
produto. São verdadeiros designers autodidatas, capazes de criar um produto de
sonho e desejo. Esses são dois exemplos das oportunidades existentes em uma
mundo que privilegia os bens simbólicos, que valem não pelo seu valor
intrínseco enquanto objeto, mas por seu valor intangível, aportado pela
qualidade, pela confiabilidade, pela cumplicidade e pelo design.
No Brasil, os últimos vinte anos foram os anos dourados para
o artesanato brasileiro. O Programa de Artesanato do SEBRAE, criado com o apoio
da Fundação Espanhola, em um histórico curso organizado em Ouro Preto, tomou
como base o texto produzido e apresentado na primeira Jornada, como o Termo de
Referência do artesanato.
Pesquisas sobre a iconografia foram realizadas em
praticamente todos os estados do Brasil. Do mesmo modo foram criados os núcleos
de design e centenas de intervenções de êxito, feitas por muitos aqui
presentes.
O projeto Talento do Brasil, que aproximou o artesanato da
moda, criando memoráveis coleções, que hoje são peças cult é outro exemplo de
programas de exito unindo design e artesanato.
Passamos a reconhecer os grandes mestres do artesanato e da
arte popular e seu prestigio no mercado mundial, sendo o Mestre Expedito
Celeiro e Dona Isabel do Jequitinhonha apenas para citar dois exemplos.
Uma das maiores
contribuições ao artesanato o SEBRAE deu ao criar o Prêmio TOP 100 do Artesanato
brasileiro, que já realizou 4 edições tri anuais, criando uma cultura de
aprendizagem na avaliação de produtos e provocando um salto de qualidade do
artesanato brasileiro. Esse prêmio mudou a vida de seus ganhadores, pela
visibilidade e promoção conseguidas.
Foi criando o Centro de Referência do Artesanato, único em
se gênero no mundo, funcionando no Rio de Janeiro, que somados ao projeto
“Brasil Original” e ao Premio Top 100 colocam o SEBRAE como principal
protagonista na promoção do artesanato brasileiro em todo o continente e talvez
no mundo ocidental.
Entretanto o segmento artesanal ainda é o elo mais frágil da
economia criativa, necessitando de um suporte institucional para sua
manutenção competitiva no mercado.
Toda essa massa critica acumulada deve ser compartilhada para
aqueles que virão. Essa segunda jornada é uma espécie de passada de bastão,
onde os princípios éticos que durante anos foram pactuados, sejam
preservados. Que as boas experiencias
sejam continuadas e multiplicadas. Que novos Laboratórios sejam criados como
forma de apoio permanente ao desenvolvimento do artesanato de referência
cultural.
Os processos exitosos de intervenção, cada um com suas
abordagens próprias, ao serem compartilhados revelam-se novas estratégias, métodos
e ferramentas de êxito, tais como as técnicas de escuta sensível que desenvolvemos
com o objetivo de decodificar as memórias afetivas dos habitantes do lugar, sua
matriz cultural, suas vocações, potencialidades e desejos de sua visão de um
futuro possível e desejável.
Vejo esse evento como um novo marco, pautado pela cooperação
e pelo intercâmbio, compartilhando projetos e soluções. Sugiro que Fortaleza e
Querétaro do México, duas cidades candidatas ao titulo de cidades criativas do
design e do artesanato respectivamente, demostrem sua capacidade de colaboração
organizando ações de continuidade, e em especial a próxima jornada, sem que se
passem mais vinte anos.
Os recursos são cada vez mais escasso para serem
desperdiçados em tentativa e erro. O tempo é cada vez mais curto para reverter
erros planetários. Somos hoje cidadãos do mundo, conscientes da necessidade de
mudar os hábitos de consumo, se quisermos sobreviver como espécie. Temos um
compromisso inadiável com nossa única morada, de passar de uma sociedade do
desperdício para uma sociedade sustentável.
São 17 os princípios e práticas propostos pela ONU para o
desenvolvimento sustentável. Adesivados até na porta do elevador do SEBRAE.
1999 era o segundo ano de funcionamento do Centro de Design
do Ceará, pioneiro na introdução do ensino do design no Estado. Pioneiro em sua
forma de ensinar o design descritas em dezenas de artigos. O CDC foi
considerado, em uma pesquisa feita pela Universidade da Flórida, como a experiência
mais relevante no ensino do Design junto com a Universidade de las Américas em
Puebla. Relatar a experiência do CDC, exigiria um tempo que não disponho nesse
evento. A primeira jornada de design e artesanato foi organizada pelo CDC, demostrando dessa
forma seu compromisso com o design social e culturalmente responsável.
O design e o artesanato provaram nesses 20 anos que quando
bem realizados conseguem deixar sua marca na
vida daqueles que dele dependem. É verdade que muitos não tiveram
sucesso e ainda lutam por sobreviver. Mas as soluções exitem, já foram testas,
e custam pouco. Custam apenas desejo político
de realizá-las. Quem sabe, se com o desejo de Fortaleza ser uma cidade criativa
da UNESCO abra-se o espaço que se necessita de apoio à preservação das
tradições, o estímulo a diversidade cultural, o apoio aos talentos criativos que
anida não tiveram o espaço de expressão que merecem e um casamento frutífero entre o saber e o
fazer. Agora, e nos próximos 20 anos.
Vida longa ao artesanato e o design, juntos e misturados.
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