3 de dezembro de 2018

Abertura da Segunda Jornada Iberoamericana de Design e Artesanato



Naquele ano  de 1999 eramos muitos, de muitos países, preocupados com o futuro do artesanato em um mundo cada vez mais globalizado. Sonhamos sonhos possíveis, alertando para o risco da perda de identidade e do necessário esforço de prover os meios necessários para que o desenvolvimento se fizesse de modo harmônico.
Reconhecemos a importância do design como instrumento de inovação e preservação da cultura local, expresso em um longo capitulo nos anais do evento.
Dos que firmaram esse documento histórico, muitos já se foram, restando aqui e agora apenas eu e Manuel Ernesto como testemunhos de um momento onde o artesanato deixava de ser uma preocupação relacionado ao bem estar social, para uma dimensão mais ampla, economicamente viável e culturalmente responsável.   
Propúnhamos a criação de grupos de apoio permanente aos artesãos, apoiando todas as etapas do ciclo de produção. O Laboratório Brasileiro de Design - LBDI era nossa referência como grupo pioneiro na prática e difusão do design social. Os resultados de um projeto de pesquisa e desenvolvimento de uma coleção de produtos artesanais de referência cultural de Santa Catarina inspirou Artesanias de Colômbia, que nos convidou para propor uma politica de design para o artesanato.
20 anos depois são 33 Laboratórios de Design e Inovação, atendendo todos os 33 estados da Colômbia. Mais de 1.300 coleções de produtos desenvolvidos. Expoartesanias, a maior e mais importante Feira de Artesanato da América Latina, realizada sempre no mês de dezembro em Bogotá, tem hoje como critério de seleção a inovação e o vínculo cultural dos produtos que serão exibidos e comercializados.
O Artesanato no México, de excepcional riqueza, com expoentes únicos como as cerâmicas de Mata Ortiz ou os bichos e alebrijes de Jacobo em Oaxaca, que aparentemente prescindiram do design como protagonistas do processo de criação, não são tradições ancestrais. Foram fruto da inteligência de um homem, que as foi transmitindo e seduzindo outros a fazerem o mesmo, pois descobriram um nicho de mercado que hoje valoriza o autêntico e exclusivo produto. São verdadeiros designers autodidatas, capazes de criar um produto de sonho e desejo. Esses são dois exemplos das oportunidades existentes em uma mundo que privilegia os bens simbólicos, que valem não pelo seu valor intrínseco enquanto objeto, mas por seu valor intangível, aportado pela qualidade, pela confiabilidade, pela cumplicidade e pelo design.    
No Brasil, os últimos vinte anos foram os anos dourados para o artesanato brasileiro. O Programa de Artesanato do SEBRAE, criado com o apoio da Fundação Espanhola, em um histórico curso organizado em Ouro Preto, tomou como base o texto produzido e apresentado na primeira Jornada, como o Termo de Referência do artesanato.  
Pesquisas sobre a iconografia foram realizadas em praticamente todos os estados do Brasil. Do mesmo modo foram criados os núcleos de design e centenas de intervenções de êxito, feitas por muitos aqui presentes.
O projeto Talento do Brasil, que aproximou o artesanato da moda, criando memoráveis coleções, que hoje são peças cult é outro exemplo de programas de exito unindo design e artesanato.
Passamos a reconhecer os grandes mestres do artesanato e da arte popular e seu prestigio no mercado mundial, sendo o Mestre Expedito Celeiro e Dona Isabel do Jequitinhonha apenas para citar dois exemplos.
 Uma das maiores contribuições ao artesanato o SEBRAE deu ao criar o Prêmio TOP 100 do Artesanato brasileiro, que já realizou 4 edições tri anuais, criando uma cultura de aprendizagem na avaliação de produtos e provocando um salto de qualidade do artesanato brasileiro. Esse prêmio mudou a vida de seus ganhadores, pela visibilidade e promoção conseguidas.
Foi criando o Centro de Referência do Artesanato, único em se gênero no mundo, funcionando no Rio de Janeiro, que somados ao projeto “Brasil Original” e ao Premio Top 100 colocam o SEBRAE como principal protagonista na promoção do artesanato brasileiro em todo o continente e talvez no mundo ocidental.
Entretanto o segmento artesanal ainda é o elo mais frágil da economia criativa, necessitando de um suporte institucional para sua manutenção competitiva no mercado.
Toda essa massa critica acumulada deve ser compartilhada para aqueles que virão. Essa segunda jornada é uma espécie de passada de bastão, onde os princípios éticos que durante anos foram pactuados, sejam preservados.  Que as boas experiencias sejam continuadas e multiplicadas. Que novos Laboratórios sejam criados como forma de apoio permanente ao desenvolvimento do artesanato de referência cultural.
Os processos exitosos de intervenção, cada um com suas abordagens próprias, ao serem compartilhados revelam-se novas estratégias, métodos e ferramentas de êxito, tais como as técnicas de escuta sensível que desenvolvemos com o objetivo de decodificar as memórias afetivas dos habitantes do lugar, sua matriz cultural, suas vocações, potencialidades e desejos de sua visão de um futuro possível e desejável.
Vejo esse evento como um novo marco, pautado pela cooperação e pelo intercâmbio, compartilhando projetos e soluções. Sugiro que Fortaleza e Querétaro do México, duas cidades candidatas ao titulo de cidades criativas do design e do artesanato respectivamente, demostrem sua capacidade de colaboração organizando ações de continuidade, e em especial a próxima jornada, sem que se passem mais vinte anos. 
Os recursos são cada vez mais escasso para serem desperdiçados em tentativa e erro. O tempo é cada vez mais curto para reverter erros planetários. Somos hoje cidadãos do mundo, conscientes da necessidade de mudar os hábitos de consumo, se quisermos sobreviver como espécie. Temos um compromisso inadiável com nossa única morada, de passar de uma sociedade do desperdício para uma sociedade sustentável.
São 17 os princípios e práticas propostos pela ONU para o desenvolvimento sustentável. Adesivados até na porta do elevador do SEBRAE.
1999 era o segundo ano de funcionamento do Centro de Design do Ceará, pioneiro na introdução do ensino do design no Estado. Pioneiro em sua forma de ensinar o design descritas em dezenas de artigos. O CDC foi considerado, em uma pesquisa feita pela Universidade da Flórida, como a experiência mais relevante no ensino do Design junto com a Universidade de las Américas em Puebla. Relatar a experiência do CDC, exigiria um tempo que não disponho nesse evento. A primeira jornada de design e artesanato  foi organizada pelo CDC, demostrando dessa forma seu compromisso com o design social e culturalmente responsável.
O design e o artesanato provaram nesses 20 anos que quando bem realizados conseguem deixar sua marca na  vida daqueles que dele dependem. É verdade que muitos não tiveram sucesso e ainda lutam por sobreviver. Mas as soluções exitem, já foram testas, e custam pouco. Custam apenas  desejo político de realizá-las. Quem sabe, se com o desejo de Fortaleza ser uma cidade criativa da UNESCO abra-se o espaço que se necessita de apoio à preservação das tradições, o estímulo a diversidade cultural, o apoio aos talentos criativos que anida não tiveram o espaço de expressão que merecem  e um casamento frutífero entre o saber e o fazer. Agora, e nos próximos 20 anos.
Vida longa ao artesanato e o design, juntos e misturados.

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