30 de julho de 2010

íntegra da entrevista concedida ao Jornal eletrônico A CASA sobre Design x Artesanato

Fale brevemente sobre sua trajetória (desde formação, até principais projetos desenvolvidos ao longo da carreira e o que está fazendo atualmente).
Comecei a trabalhar com design muito antes de saber o que isso significava. Aos vinte anos, já era um designer gráfico relativamente bem conhecido em Belo Horizonte, o que me levou a entrar para o pioneiro setor de design do CETEC. Isso foi em janeiro de 1973. Em pouco tempo, este grupo cresceu e amadureceu junto, evoluindo para uma prática pioneira de se tentar fazer design social. O Município de Juramento, na região norte de Minas Gerais, foi o laboratório destas experiências. De 1979 a 1981, passei dois anos morando na Suíça, onde fiz meu mestrado em Design Urbano e uma pós-graduação em desenvolvimento sustentável. De retorno ao Brasil, fui convidado para trabalhar no CNPq, onde coordenei, durante alguns anos, o Programa de Design e o de Tecnologias Apropriadas, criando, na prática, o primeiro vínculo formal entre design e artesanato.

Em 1987, fui dirigir o LBDI – Laboratório de Design Industrial em Florianópolis, onde realizamos um projeto inovador de valorização do artesanato catarinense, experiência que serviu de modelo para a implantação na Colômbia dos Laboratórios de Design para o artesanato. A partir da segunda metade da década de noventa, comecei a colaborar com Fundação Espanhola para a promoção do artesanato, o que deu origem ao Programa de Artesanato do SEBRAE. Colaborei na implantação de programas de artesanato em 17 estados brasileiros assim como de ações especificas e pontuais em vários paises da América Latina. Atualmente, sou consultor do SEBRAE, MDA, UNESCO em projetos relacionados com o artesanato, participando na coordenação de eventos e workshops; como jurado em concursos e premiações, realizando pesquisas e produzindo artigos e publicações, sendo a mais recente a Cartilha das Artesãs do Projeto “Talentos do Brasil”. Neste ano de 2010, retornei ao CNPq para mais um desafio, desta vez tentando deixar minha contribuição, entre outras coisas, para a criação de um programa de formação da nova geração de servidores, devolvendo modestamente tudo que esta instituição me ofereceu ao longo de minha vida profissional.

Por que promover a parceria entre designers e artesãos? Quais os benefícios que o design traz para o artesanato e quais aqueles que o artesanato traz para o design?
Simplesmente porque acredito que o artesão é, acima de tudo, um artífice que, com sua técnica, habilidade e destreza, é capaz de produzir / reproduzir produtos capazes de encontrar um nicho de mercado não satisfeito pela oferta industrial. O artesão, como qualquer ser humano, tem a capacidade de criar, porém esta não é sua prática e preocupação cotidiana. O artesão prefere muito mais aperfeiçoar sua técnica para fazer cada vez melhor, com maior eficiência e qualidade, aquilo que ele domina e está acostumado a produzir. Para o artesão, criar algo novo é penetrar no domínio do desconhecido e do risco no qual ele não se sente confortável. A aproximação do design com o artesanato permite a renovação da oferta artesanal e a ampliação do mercado comprador, compatibilizando os anseios de quem produz com as necessidades e desejos daqueles que consomem. Com a globalização da economia, a oferta de produtos e serviços é sempre maior que a demanda, provocando uma intensa competição e um esforço contínuo de inovação. O que hoje é novidade, amanhã estará nos museus, e o artesanato não fica incólume a este fenômeno. O desafio é inovar sempre, sem perder as referências e vínculos com a cultura e as práticas sociais das comunidades produtoras. O design, por sua vez, se alimenta da arte popular e do artesanato como fonte de inspiração e de referências culturais para dar o sentido de pertencimento ao seu trabalho. Um designer, como decodificador de repertórios culturais, deve estar atento ao seu entorno, pois são estes elementos culturais diferenciadores, e às vezes banais, do cotidiano que tornarão seu trabalho único e singular.

De que modo o design pode contribuir no fortalecimento de comunidades tradicionais e associações de artesãos e sua sustentabilidade? De que modo o design pode funcionar como um agente de transformação econômico-social e de promoção do desenvolvimento?
Por sua formação multidisciplinar, que abarca não somente a análise e estudo dos fenômenos mercadológicos e tecnológicos, mas também os requerimentos econômicos, ambientais e sócio-culturais, o designer pode, em princípio, propiciar às comunidades artesanais informações e conhecimentos que ela não dispõe. Sua ação pode, por exemplo, alertar para práticas produtivas nocivas ao meio ambiente tais como o extrativismo predador e a poluição por resíduos; identificar demandas não satisfeitas da sociedade e de nichos de mercado sensíveis a uma oferta artesanal qualificada; desenvolver uma oferta seletiva de produtos em consonância com a cultura regional; melhorar a eficiência na produção, pela adoção de técnicas e processos apropriados, que vão desde o layout da oficina até a utilização de equipamentos mais adequados às características do trabalho realizado.

A quantas anda a relação entre design e artesanato no Brasil? Em termos mundiais, qual o papel do Brasil nessa relação? Como você avalia a evolução desse campo ao longo do tempo no país?
A inserção do design no artesanato no Brasil é um fenômeno relativamente recente, iniciando-se com a realização de ações pontuais e isoladas desde o principio dos anos 80 nos Estados de Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba (onde existiam escolas de design sensíveis a este discurso), passando a ser mais sistemática com a criação do Programa de Artesanato do SEBRAE em 1998 / 1999. Somente a partir desta ação é que houve um desprendimento das posturas paternalistas que dominavam os programas de apoio ao artesanato conduzido pelo governo tanto na esfera federal como nos estados.
Na América Latina, a aproximação entre design e artesanato ocorre na mesma época que no Brasil, especialmente através da Universidade Autônoma Metropolitana de Azcapotzalco no México e de Artesanias de Colômbia, apenas para citar os dois exemplos mais expressivos.
Nesses países, foram as ações empreendidas que deram origem a dezenas de empreendimentos sociais sustentáveis, assim como a eventos comerciais extraordinários, como é o caso de “Expoartesanias”, uma feira especializada em produtos artesanais realizada há mais de 15 anos sempre na primeira quinzena de dezembro na cidade de Bogotá. Os cerca de 600 expositores vendem diariamente perto de um milhão de reais. O diferencial desta feira é sua curadoria, que somente admite para exposição e venda produtos considerados inovadores sem, contudo, perderem suas características diferenciadoras.

Quais as formas de atuação do designer em comunidades de artesãos? Promover melhorias nos objetos tradicionalmente desenvolvidos? Sugerir a produção de novos objetos? Discutir propostas com os próprios artesãos, ou seja, mediar o processo de produção? Promover melhoras na logística e na gestão? Educar o artesão para o mercado?
Todas as ações acima já foram experimentadas em centenas de comunidades brasileiras, dependendo do tipo de orientação emanada dos organismos patrocinadores. Quando se trata de comunidades assistidas pelo Artesanato Solidário, me parece que a orientação tem sido a de intervir minimamente, apenas melhorando os produtos feitos tradicionalmente pelos artesãos. No caso do SEBRAE, as intervenções costumam ser mais radicais, criando, em parceria com os artesãos, uma nova oferta de produtos artesanais voltados para as demandas do mercado, porém referenciadas com a cultura de origem. De qualquer forma, em todas as intervenções, sejam estas de mudanças incrementais ou revolucionárias, o que se discute é a necessidade de geração de trabalho e renda; o respeito à cultura e ao meio ambiente; o estreitamento dos vínculos sociais na comunidade; o escoamento da produção; e um processo de comercialização onde ao artesão também se aproprie do resultado econômico de seu trabalho. Caso contrário, qualquer intervenção será efêmera e irresponsável.

De que maneira deve ocorrer o encontro entre designers e comunidades de artesãos? Há princípios éticos que devem ser respeitados? Quais? Há limites para o trabalho dos designers com comunidades tradicionais? Quais? Como estabelecer uma boa relação entre as partes?
Como em qualquer tipo de relação, existe uma necessidade de saber compreender o “outro” – seus conhecimentos, habilidades, destrezas, experiências e posturas – antes de se iniciar um processo de aproximação. A aproximação a uma comunidade ou grupo de produção deve se iniciar por uma “escuta sensível” capaz de mapear o universo simbólico no qual está imersa a comunidade e que a torna um espaço único e singular. Desenvolvemos uma metodologia para esta abordagem, testada em inúmeros projetos com bons resultados. A proposta parte da premissa que um designer deve trabalhar (projetar) sempre com os artesãos e nunca para os artesãos, em um esforço compartilhado de análise, geração de conceitos e experimentações formais. Este processo de desenvolvimento de novos produtos deve ser fruto de uma relação dialética, onde cada um é consciente de seus papéis e deveres e sujeito de sua própria história.

Em termos simbólicos, quais as diferenças entre um produto artesanal e um produto industrial? Quais as diferenças no trabalho de um designer quando este trabalha em uma empresa ou em uma comunidade de artesãos?
Um produto, qualquer que seja, deve ter um vínculo com uma determinada cultura, seja de origem, seja de destino. Os produtos mundiais mostraram-se insuficientes para darem conta das demandas e necessidades particulares de todos os habitantes do planeta. Com a sofisticação e diversificação da oferta foram surgindo novos nichos de mercado, bem descritos na teoria proposta por Chris Anderson em seu livro publicado no Brasil sob o titulo de “A Cauda Longa”.
Um produto industrial, para ter sucesso de mercado, deve vir de encontro às necessidades, anseios, desejos, gostos e preferências do grupo de indivíduos aos quais é direcionado, utilizando-se do repertório estético, simbólico e iconográfico desta cultura de destino.
Um produto artesanal, por sua vez, deve fazer referência à cultura de origem, pois é isto que o distingue dos demais. Aqueles que consomem artesanato o fazem sabendo que ao mesmo tempo estão adquirindo um bem simbólico cuja atestação de origem empresta valor e remete a um determinado espaço e tempo específicos. Um produto artesanal é atemporal quando resiste aos apelos da moda, embora este possa ser o grande mercado para o artesanato como elemento acessório ou agregado à vestimenta.
A diferença para um designer de trabalhar em uma pequena empresa ou junto a uma comunidade artesanal não muda sua percepção dos limites de sua responsabilidade e do alcance de sua intervenção. Centenas de grupos de produção artesanal que conheci nada mais são que pequenos empreendimentos informais, tocados apenas pelo bom senso, pela intuição e pelo desejo de seguir adiante, sem a menor noção do que seja um plano de negócios ou de um planejamento estratégico.

Como conciliar a lógica do modelo de produção artesanal – mais lento, com produção limitada – com a lógica do mercado, que está sempre em busca de novidades, que exige uma grande produção etc.?
Existe incompatibilidade entre o modelo de produção artesanal e o mercado de consumo de massa, sobretudo quando a opção recai sobre produtos de baixo valor. O artesanato como peça única, exclusiva, que se parece com as demais, mas é diferente em seus detalhes, pois contém as imperfeições da mão que a executa, deve buscar seu nicho especifico que não são as feirinhas. Por esta razão, sempre que posso, desestimulo os artesãos a se empenharem na produção de produtos de baixo valor, mas de alto giro. Este é um mercado canibalizado onde se disputa o cliente no preço. O que assistimos neste mercado de lembranças e souvenires é a disputa feroz de artesão contra artesão; artesão contra fabriquetas clandestinas; artesãos contras produtos importados da Ásia que, rejeitados nos processos de controle de qualidade na origem, são vendidos no Brasil em lojas de 1,99.
O correto é propor produtos de maior valor agregado, onde a expertise do artesão possa se revelar por inteiro, onde sua habilidade, destreza e capacidade produtiva sejam traduzidas em peças únicas, impossíveis de serem reproduzidas pelos meios massivos de produção e que contem uma historia.

Entre aqueles que defendem a intervenção do design no artesanato, costuma-se dizer que promover essa intervenção é quase que uma obrigação, uma vez que possibilita a elevação da renda de milhares de artesãos que, mesmo dotados de um incrível saber-fazer, estão completamente marginalizados da sociedade, vivendo, muitas vezes, em condições de indigência. Em outras palavras, os artesãos estariam excluídos da sociedade e seria necessário incluí-los. É sensato promover a inclusão das pessoas na lógica do mercado? É preciso incluir artesãos no sistema ou modificar esse próprio sistema que exclui os artesãos?
Considero uma quimera idealizar um mercado desprovido de sua característica essencial que é a competitividade. O sonho de uma sociedade igualitária onde os bens e serviços estariam ao alcance de todos, mostrou-se uma utopia. Com quase 10% da força de trabalho excluído do mercado formal, deve ser planejada alguma alternativa que não se restrinja à distribuição de cestas de alimentos, bolsas e auxílios que são meros paliativos. Insensatez é acreditar que é possível sobreviver em um mundo capitalista e globalizado sem apoio e estímulos ao trabalho criativo capaz de produzir e gerar riquezas.

Ao tentar levar objetos artesanais para classes sociais elevadas, muitas vezes o designer sugere que sejam feitos produtos que não fazem parte da cesta de consumo do próprio artesão. Por exemplo, um jogo americano. Nesses casos, há conflito entre aquilo que designers e instituições, em nome do mercado, propõem que seja produzido e aquilo que artesãos desejam produzir? Como você lida com essa questão?
Os artesãos brasileiros são, em sua maioria absoluta, indivíduos marginalizados do mercado formal de trabalho que buscam em sua atividade uma forma alternativa de renda. Muitos são pequenos agricultores ou migrantes que vivem na periferia dos centros urbanos. Em verdade, poucos são aqueles que descendem de grupos sociais homogêneos e fiéis depositários de uma herança cultural que deve ser preservada em sua essência e pureza original. Um produto artesanal que nasce para uma determinada função pode ser adaptado a outros usos e finalidades, como é o caso de grande parte dos artefatos produzidos em comunidades indígenas, sem que isso se configure em um atentado à cultura. Os produtos artesanais nascem como uma resposta a uma necessidade, sejam estas de natureza funcional, decorativa ou ritualística. Propor uma nova relação entre objeto e usuário a partir não mais de sua destinação original significa abrir novas oportunidades de negócios que não podem ser desprezadas, sobretudo se isso significa a sobrevivência do grupo produtor. Educar o mercado é um investimento que somente poderá ser mensurado com a lente do tempo e da distância, sendo desumano propor esta alternativa a quem tem necessidades imediatas a serem satisfeitas.

Em um dos posts de seu blog, você fala sobre a “eterna confusão entre arte e artesanato”. Poderia explicar melhor esses dois conceitos? Por que é importante que se entenda essa diferença? Complementando: diferentemente de produtos de arte, produtos artesanais não costumam ser assinados por indivíduos (há, normalmente, a indicação da comunidade que o produziu). Em post do blog, você sugere que estes produtos sejam assinados. Poderia falar um pouco sobre isso? Com produtos artesanais assinados não voltamos a aproximar os conceitos de artesanato e arte?
No meu ponto de vista a diferença fundamental entre o artesão e artista é o compromisso. Enquanto o compromisso do artista - qualquer que seja – é consigo mesmo e com o seu tempo, o compromisso do artesão é com sua família. O artista cria como forma de exteriorizar sua visão pessoal e singular do mundo que o cerca, ampliando as fronteiras do conhecido. Para o artista, vender sua obra é uma questão circunstancial. O artesão produz para obter, com o fruto do seu trabalho, uma compensação financeira capaz de propiciar o acesso aos bens e serviços ofertados pela sociedade industrial. A assinatura na peça artesanal é uma forma de aumentar a auto-estima de quem o produz; é a atestação do “feito à mão”; é um modo barato e eficaz de estabelecer um controle de qualidade feito pelo próprio artesão que não irá permitir enviar para o mercado uma peça mal feita e que leva sua assinatura.

A respeito dos investimentos públicos que vem sendo feitos no artesanato, você identifica uma assimetria entre custo x beneficio das feiras, dizendo que “os recursos necessários para realizar uma feira nacional de artesanato jamais se justificam frente às vendas realizadas”. Poderia comentar essa questão? Levando isso em conta, de que forma deveriam ser investidos os recursos públicos?
Uma feira é um empreendimento comercial e, como tal, deve visar o lucro. Quando o investimento para realizar uma feira não encontra correspondência nas vendas, algo está errado. Uma feira é principalmente o espaço de confrontação entre oferta e demanda de produtos e serviços, servindo de termômetro para aferição do grau de aceitação dos mesmos pelo público visado. Como tal, serve também para prospectar novos negócios e tendências do mercado. Transformar as feiras em vendas de varejo para escoamento da produção estocada é um desperdício de recursos e um desvirtuamento de sua função. As feiras de artesanato, do modo como estão sendo organizadas no Brasil, atendem principalmente aos interesses das empresas promotoras e dos patrocinadores e pouco aos artesãos. Uma rodada de negócios pode ser muito mais efetiva e rentável, sobretudo se os compradores atacadistas e lojistas forem levados aos locais de produção. O que as instituições devem fazer, no meu ponto de vista, está detalhado no termo de referencia sobre o artesanato publicado pelo SEBRAE. Na ordem proposta: identificar as demandas do mercado; identificar e qualificar a oferta artesanal; melhorar produtos; otimizar os processos; capacitar os envolvidos na cadeia de produção; agregar valor, promover, divulgar e comercializar de modo eficiente e inovador junto aos públicos visados.

Você defende que artesãos saiam da informalidade. Como isso pode ser feito? Por meio da criação de Associações ou Cooperativas? Já faz algum tempo que temos percebido que são poucas as Associações de Artesãos que conseguem permanecer ativas por muito tempo. O que ocorre? Quais as dificuldades para a formalização e para a saúde das Associações?
Basicamente, porque as Associações não são empreendimentos com fins comerciais. Uma associação não é um modelo adequado para congregar pequenos produtores com interesses comerciais. As cooperativas, por sua vez, dependem de um grau de consciência mais elevado dos artesãos com relação aos seus benefícios e vantagens e de um número mínimo de pessoas para sua formalização. Não vejo problema ou dificuldade na criação de empresas comerciais dedicadas à produção artesanal. A formalização dos empreendimentos artesanais me parece ser um caminho inevitável. Atualmente, penso na possibilidade de criação das “Fábricas sociais de Artesanato”, um empreendimento situado naquilo que está se convencionando designar de setor 2.5, ou seja, possui destinação social, mas é movida pelo lucro e dentro de um processo de produção sistemática com uma divisão de trabalho baseado nas habilidades e competências de cada pessoa envolvida. Este tipo de empreendimento poderá atender uma crescente demanda por brindes corporativos de empresas públicas e privadas que desejam apoiar o segmento artesanal e não sabem muito bem como fazê-lo. O investimento direto na produção pode ser mensurado e avaliado de modo muito mais rápido.

Há duas grandes vias de tentativas de melhora da qualidade de vida das comunidades artesanais brasileiras. Uma delas, normalmente defendida por designers, é por meio da atuação de um profissional junto à comunidade, adequando seus produtos ao mercado de classes sociais mais altas localizadas, muitas vezes, nas metrópoles. A outra, normalmente defendida por antropólogos, é por meio da valorização do produto artesanal tradicional tal qual ele é, realizando exposições, publicando catálogos explicativos etc. Esta segunda via atinge o ponto máximo com o registro de determinado saber-fazer como Patrimônio Cultural Brasileiro (por exemplo: O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, o Modo de Fazer Viola-de-Cocho e o Modo de Fazer Renda Irlandesa produzida em Divina Pastora-SE), em que é elaborado um plano de salvaguarda. Ambos os caminhos contam com bons resultados no sentido de aumentar as vendas do artesão. Ao trabalhar com comunidades de artesãos, designers, muitas vezes, procuram agregar valor aos produtos. No caso de comunidades artesanais tradicionais, não seria o caso de preservar o produto ao invés de tentar adequá-lo ao mercado? O fato de um objeto ser feito de determinada forma por centenas de anos não constitui um elemento de valor? Nestes casos, não seria mais interessante educar o mercado para o artesão?

Não questiono e nem discordo da necessidade de apoiar as comunidades tradicionais, desde que elas assim o desejem. O que não concordo é que o governo ou qualquer outro tipo de organização decida, nos gabinetes fechados de Brasília, o que é melhor para estas comunidades, agindo e legislando em nome delas. O fato de existirem ainda no Brasil pessoas produzindo artesanato cerâmico com rolete e queimando as peças com lenha não significa que devemos impedi-las de ter acesso a um torno e um forno elétrico. O artesanato destes grupos não irá desaparecer por conta disso e tampouco irão perder suas características singulares e diferenciadoras. Ao contrário. A adoção de certos padrões propiciará uma produção mais homogênea no que diz respeito aos tamanhos das peças (facilitando sua embalagem e transporte) ou diminuindo as perdas durante a queima. O conflito (quando existe) entre antropólogos e designers reside na dificuldade de ambos perceberem que o problema de cada comunidade é único e singular, já que não existem dois lugares iguais, não cabendo formulas prontas e nem receitas pré-concebidas. Minha forma de começar a trabalhar com uma comunidade ou grupo de produção é ir até lá, sentar para conversar com os artesãos e com eles decidir qual é o destino que almejam e os melhores caminhos para se conseguir aquilo que aspiram e necessitam.

2 comentários:

  1. Eduardo
    Prazer em conhece-lo. Vi a sua entrevista em "a casa" e ela me chegou em boa hora. Sou ceramista e diretora de uma escola técnica.Fui convidada para dar um suporte a uma comunidade indigina no Mato Grosso do Sul e como educadora que sempre fui comecei com alguns questionamentos sobre como atuar "sensivelmente".Sua entrevista me deu um norte e seu blog tem muita coisa para ser explorada e certamente vai ser uma ótima referência .
    Obrigada
    Vera

    ResponderExcluir
  2. Prezado Eduardo,
    Havia recebido sua entrevista sobre as intervenções do design no artesanato e quero parabenizá-lo pela forma explicita e contundente com que abordou esse assunto.
    Faz-se necessário respeitar os aspectos antropológicos, artísticos e culturais inerentes ao artesanato, porém o designer tem um papel importante no compartilhamento de conhecimentos e na adequação das peças com a utilização das mesmas pelos consumidores finais. Prova disso são as redes, as toalhas para mesa e jogos americanos que, muitas vezes são confeccionadas em tamanhos desproporcionais com a realidade vigente, principalmente nas moradias dos grandes centros urbanos.
    Um abraço e parabéns,

    Alvaro Neto

    ResponderExcluir

Obrigado por deixar seus comentários.