Contribuições para o aperfeiçoamento da Rede de Cidades Criativas
Gostaria de iniciar lembrando que a principal razão de ser da Rede Mundial de Cidades Criativas da UNESCO é o compartilhamento das melhores práticas e de projetos inovadores e impactantes, que possam contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável.
Para isso é necessário a contribuição dedicada de indivíduos, experientes e motivados, tanto do poder público quanto da academia, da iniciativa privada e sociedade civil, para acompanharem a implementação dos projetos pactuados com a UNESCO e juntos projetarem um futuro possível e desejável para a cidade.
O espaço institucional mais adequado para acolher e viabilizar essas ideias, propostas e projetos, encontra nos Laboratórios de Inovação uma alternativa a ser considerada.
Esses Laboratórios, como o próprio nome qualifica, existem para propor e testar soluções não usuais, inovadoras e compartilháveis, para os problemas relacionados aos desafios do crescimento urbano com qualidade de vida, compatível com os novos paradigmas de uma sociedade do conhecimento, onde a geração de riqueza se consegue pelo uso da inteligência humana como força motriz do trabalho intelectual e criativo.
Não tratam da inovação tecnológica mas da inovação cultural, que são aquelas destinadas a mudar o comportamento da sociedade para o bem de todos.
No Brasil os Laboratórios de Inovação e Design foram criados na década de 80, sendo o mais celebre deles o LBDI - Laboratório de Florianópolis que tive o privilégio e a honra de ter fundado e dirigido durante seus dez anos de existência.
A importância do LBDI tem sido melhor avaliada, com a lente do tempo e da distância, por muitos autores que se dedicaram a escrever sua trajetória. O LBDI é considerado por alguns que por lá estiveram, como uma espécie de “Bauhaus Latino-americana” devido ao impacto que teve na formação profissional de duas centenas de designers, de vários países do mundo, seja como bolsistas, estagiários, alunos, pesquisadores ou professores visitantes.
A atuação plural do LBDI consistia em realizar anualmente eventos internacionais abordado temas pouco explorados com os maiores nomes do design mundial; oferecer cursos e workshops com renomados especialistas nacionais e estrangeiros convidados, acolher pesquisas com foco na cultura material; desenvolver projetos de caráter demonstrativo para industrias e instituições e publicar o resultados de suas ações sendo difundindo em publicações.
O LBDI introduziu no Brasil o design social, realizando os primeiros projetos de aproximação com o artesanato, demostrando a importância da renovação da oferta de produtos lastreados na cultura de origem. A primeira experiência foi o projeto de valorização do artesanato de Santa Catarina, com ênfase nos bordados de bilro. O LBDI realizou o primeiro INTERDESIGN voltado para o artesanato na América do Sul, em 1993, propondo novos usos para a madeira reflorestada com designers convidados da Argentina, Chile, Finlândia, França Itália e Suiça, países com tradição no uso do pinus.
Essa experiência pioneira de design artesanal foi replicada na Colômbia, quando organizamos o INTERDESIGN 94, com convidados do Brasil, México, Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Holanda. A partir dessa experiência fomos convidados para apoiara a criação dos Laboratórios Colombianos de Design para o Artesanato, que hoje somam 33 unidades em todo o pais, sendo responsáveis pelo salto exponencial de qualidade no artesanato contemporâneo e de referência cultural da Colômbia.
Com orgulho, e sem falsa modéstia, me considero o principal promotor dessa proposta dos Laboratórios de Design para o Artesanato, que procurei adaptar em outros contextos e circunstancias diferentes, corrigindo os erros do passado e ampliando o espectro de atuação.
Quando fui convidado pela UNESCO para participar em Monza na Itália, do FOCUS 2009 - Fórum Internacional das Industrias Criativas, tomei conhecimento da criação da Rede Mundial de Cidades Criativas e me dispus a colaborar.
Apresentei a proposta de criação dos Laboratórios de Inovação Cultural que poderiam servir como gestores locais dos projetos e ações pactuados pelas cidades em seus dossiês de candidatura para acesso à Rede, definindo assim, não uma pessoa, mas um espaço institucional de interlocução com a sociedade e com as demais cidades da Rede UNESCO, e menos sujeito as mudanças provocadas nas alternâncias no poder municipal.
Trouxe comigo desse encontro em Monza, a missão de atuar na promoção desta rede, recém criada de cidades criativas, nos países por onde estivesse colaborando, e assim fiz nos anos seguintes. Contribui com as candidaturas de Ensenada, como cidade da gastronomia, e de Puebla, cidade do design, ambas no México.
No Brasil coordenei as candidaturas da Cidades de Florianópolis em 2014 como cidade da gastronomia; João Pessoa em 2017 como cidade do Artesanato, Fortaleza em 2019 como cidade do Design; Campina Grande em 2021 como cidades das Artes Midiáticas e Penedo em 2023 como cidade do Cinema.
Desde 2017 tenho colaborado com João Pessoa na implantação de seu programa Cidade Criativa, sendo que a primeira ação realizada foi a proposta de criação da Rede Brasileira de Cidades Criativas, cuja primeira reunião ocorreu em março de 2018 adotando a denominação dessa Rede nacional como: ECriativa composta hoje de 14 cidades, cobrindo as sete áreas definidas pela UNESCO.
Desde então essas reuniões ocorrem semestralmente em um sistema rotativo sendo a próxima programada para os dias 07 e 08 de novembro na cidade do Recife. Em cada uma desta reuniões avançamos na proposição de ações conjuntas, e na adoção de mecanismos e ferramentas de aprimoramento de nossas práticas.
Assumimos o protagonismo de algumas destas iniciativas propondo um sistema de mensuração do grau de maturidade das cidades criativas que compartimos com quem se interessar. Nessa ferramenta em forma de um questionário propomos 25 itens de avaliação, divididos em 5 grupos: Estrutura de governança; Grau de envolvimento do poder público; qualidade dos empreendimentos inovadores e do ativos culturais existentes; Cultura da Inovação; e Iniciativas de estímulo a criatividade.
Propusemos também a criação de um prêmio anual para as melhores ideias em forma de produtos ou serviços na Economia Criativa, que foi considerado, e publicada, pela UNESCO no ano da Pandemia como uma das cem melhores propostas realizadas pelas cidades da Rede.
João Pessoa se destaca principalmente por seus projetos estruturantes, capitaneados pelo Laboratório de Inovação – LABIN, criado através de um convênio entre Prefeitura Municipal, Governo do Estado da Paraíba, Governo Federal e o SEBRAE – Serviços Brasileiro de Apoio as Pequenas Empresas.
O LABIN propõe, executa e coordena as ações e projetos do Programa João Pessoa Criativa, com destaque para a Fábrica Social de Artesanato, que nada mais é que uma proposta contemporânea das escolas de ofícios, preparando jovens artesãos em tipologias de maior valor agregado, e sintonizadas com as demandas reprimidas do mercado por bens simbólicos lastreados na cultura local. Este equipamento está sendo instalado em um prédio histórico no centro da cidade.
A partir do próximo ano oferecerá cursos de cerâmica esmaltada utilitária destinado aos bares e restaurantes; produtos de decoração em marchetaria e produtos com impressão a frio com elementos da iconografia local destinados ao nicho de mercado de lembranças e souvenires.
Estes produtos foram desenvolvidos a partir de uma pesquisa sobre as memórias afetivas gastronômicas para trazer de volta aos restaurantes, inscritos no projeto Saberes e Sabores da Paraíba, pratos da culinária tradicional com uma nova forma de apresentação à mesa, criando um círculo virtuoso de demanda e oferta dos produtos artesanais.
O LABIN, extrapolando sua destinação original de atender ao segmento artesanal, busca atuar de modo transversal nas outras áreas da economia criativa sendo hoje a sua proposta mais ambiciosa a criação do Distrito Criativo de João Pessoa, revitalizando áreas degradadas do centro histórico, atraindo capital financeiro e humano de qualidade, através da oferta de incentivos fiscais e benefícios para a reforma e instalação de novos empreendimentos vocacionados na economia criativa.
Este projeto, encaminhada a Câmara Municipal de Vereadores, será transformado em política pública e não política de governo, sobrevivendo assim as possíveis mudanças na administração da cidade.
Estamos dispostos a compartilhar nossa experiência colaborando na criação de Laboratórios de Inovação nas demais cidades da Rede, em especial nas cidades do artesanato. Vejo com otimismo a possibilidade das cidades de Castelo Branco, Barcelos e Caldas da Rainha aceitarem esse desafio.
Os Laboratórios de Inovação procuram através de um olhar retrospectivo identificar o DNA da cidade por suas vocações e potencialidades, com isso poder vislumbrar futuros possíveis e desejáveis, com base nas expectativas e anseios de sua população.
A ação que torna isso possível são as “Oficinas de design territorial e urbano” nas quais participam pensadores e visionários, indicados pelo poder público, academia, iniciativa privada e sociedade civil. Essas oficinas utilizam como metáfora a técnica dos arqueiros: quanto mais atrás se puxa a corda, e se estica o arco, (olhando o passado) mais longe se joga a flecha, mirando sempre mais alto para acertar o alvo (o futuro desejado).
Os Laboratórios de Inovação enxergam a cidade como um território que vai além de suas fronteiras geopolíticas, incorporando as comunidades próximas que compartem as mesmas características. O Limite de um território criativo deve ser determinado por onde começa o estranhamento e aparecem as diferenças culturais.
Aa cidades criativas devem extrapolar a ideia do município como unidade fundamental para serem um Território Criativo com vários centros de atração entrelaçados em uma teia de ações conjuntas e planejadas para um futuro comum.
A lógica de atuação dos Laboratórios de Inovação deve ser o design social cujos projetos são desenvolvidos por muitos para o benefício de todos, privilegiando propostas inovadoras, impactantes e compartilháveis com outras cidades, com ênfase na transversalidade das ações com os demais segmentos da Economia Criativa.
Minha segunda contribuição é o incremento das relações de cooperação e intercâmbio entre as cidades do mesmo segmento, no caso especifico, da arte popular e do artesanato.
Alguns dos clusters da Rede UNESCO tem sido bastante atuantes, como é o caso da Gastronomia e do Design, cujas linguagens universais favorecem a troca de experiências, dada a possibilidade de compartilhamento de suas práticas, métodos e processos, mesmo provenientes de culturas bastante diferentes.
No artesanato porém esse não tem sido o caso, dado que a cultura de origem é fator determinante na transferência de conhecimentos, sendo difícil promover o diálogo e a troca de experiências entre artesãos da Ásia ou dos países Árabes com os artesãos dos países latino-americanos.
As 14 cidades dos países Ibero-americanos que pertencem a Rede Mundial de Cidades Criativas da UNESCO no segmento artesanal e as 12 cidades da América Latina que integram a Rede do Conselho Mundial de Artesanato–WCC necessitam de um espaço institucional para compartilhar suas inquietações, expectativas, anseios e propostas.
Essas duas redes institucionais, pela ausência de mecanismo efetivos de compartilhamento, não exercem essas funções que justificariam melhor sua razão de ser, deixando um vazio institucional e abrindo espaço para a criação de uma organização independente, de caráter regional, que represente os interesses dos artesãos em todos os fóruns possíveis, orientando políticas públicas e propondo projetos conjuntos de intercambio e cooperação.
Deste modo propomos a criação de um Conselho Ibero Americano para a Arte Popular e o Artesanato-IBEROARTE, reunindo além das cidades acima citadas também as organizações nacionais e instituições privadas, tendo por objetivo colaborar e/ou subsidiar governos municipais, regionais ou nacionais na formulação e acompanhamento de políticas públicas de apoio e promoção do artesanato e da arte popular.
O evento de lançamento e fundação do IBEROARTE deverá ser na última semana de Janeiro de 2025 no ponto mais oriental das Américas, na cidade de João Pessoa, durante um Seminário internacional de Artesanato, de caráter hibrido, com a participação de cidades do artesanato convidadas, em especial Castelo Branco, Barcelos e Caldas da Rainha, onde esperamos todos de braços abertos.
Temos um passado comum, um presente que nos reaproxima e um futuro que nos espera de cooperação, intercâmbio e projetos conjuntos.
Vamos trocar experiências, cruzar fronteiras, construir pontes entre as diversas expressões da economia criativa.
Vamos trazer nas próximas vezes as delicias de nossa culinária singular, os prazeres da boa mesa, as músicas que amamos, os livros que nos marcaram, os filmes que nos emocionam, fazendo de nossos encontros momentos que permaneçam em nossa memória afetiva e nos inspirem.
Gostaria de finalizar lembrando o final do filme Casablanca quando Humphrey Bogart diz ao chefe de polícia a seguinte frase: ...”Louis, acho que isso é o princípio de uma bela amizade”.
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