30 de julho de 2024

Laboratório da Cidade - Sugestões para os futuros prefeitos.

No momento em que 5.569 cidades brasileiras terão a oportunidade de escolher seus prefeitos, seus candidatos ao cargo máximo municipal estarão se empenhando em construir seus planos de governo para o caso de serem eleitos. Procuram, em sua maioria, abordar os temas que mais preocupam a população, em especial: segurança, educação e saúde de qualidade, maiores oportunidade de trabalho e redução do custo de vida. Esses são problemas incontornáveis e inadiáveis, porém devem estar incluídas em uma política pública que aborde não somente as demandas do presente mas também as necessidades do futuro.  

Um futuro possível e desejável para todos somente será conquistado se a maioria das nações, territórios e cidades estiverem imbuídos das mesmas metas e desafios, preconizados pelas Nações Unidas, contidos nos 17 ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para 2030, que tomados como referência podem ser a base de uma agenda municipal sintonizada com nosso tempo. As promessas de campanha, os projetos prometidos, devem ser coerentes com estes objetivos. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

Para pensar o futuro é necessária antes estudar o passado, descobrir o DNA e as vocações de cada cidade, pois são eles que ajudarão a determinar um futuro harmônico e sustentável. Aqui se aplica a metáfora do estilingue cuja técnica ensina que quanto mais atrás se puxa a borracha mais longe se joga a pedra. Esse olhar pelo espelho retrovisor da cidade se faz com depoimentos capazes de extrair as memórias emocionais e afetivas de sua população, muito mais que com os fatos e narrativas das histórias oficiais, com suas datas e personagens, que ninguém mais se recorda.

Um olhar generoso e carinhoso com o passado, quando provocado, reaviva o orgulho de pertencimento, consolida um identidade e reforça a auto estima, ingredientes indispensáveis em qualquer processo criativo. É disto que as cidades precisam, colocar a cultura e criatividade como motores de seu desenvolvimento, em um novo modelo de sociedade baseado na inteligência e no empreendedorismo e não mais na exploração dos recursos existentes sejam eles naturais ou humanos.

Em um mundo caraterizado pelo predomínio dos bens simbólicos, cujo valor está determinado muito mais pela experiência que pela eficiência que proporcionam, cada cidade, empresa ou individuo deve buscar em sua singularidade o diferencial de mercado que necessitam. Diante da pasteurização planetária de produtos e serviços o diferente se destaca, sobretudo se for testemunho de um tempo e lugar.

Este novo mundo de oportunidade surgidos nas últimas décadas foi classificado pelos teóricos como sendo a Economia Criativa, abrigando as atividades, antes dispersas na políticas públicas, mas importantes geradoras de riqueza, fruto da inteligência humana, dentre elas: as artes, a arquitetura, o artesanato, o design, o cinema, a literatura, a moda, a gastronomia, a música, os softwares...e todas as demais atividades baseados na capacidade inventiva e criativa do ser humano.

Incluir a Economia Criativa como um proposta de política pública pode não se traduzir em um expressivo número de votos no processo eleitoral, em virtude do hermetismo que o termo ainda carrega, mas representa, acima de tudo, um compromisso público que abre as portas para a implantação de projetos e atividades capazes de pensar e propor um futuro para a cidade, que venha de encontro as suas vocações, oportunidades e aspirações de seus habitantes.  

A proposição, formalização e operacionalização de uma Política Pública de Economia Criativa, que transcenda ao calendário político, encontra na criação de um “Laboratório da Cidade” o espaço institucional mais apropriado, que não requer necessariamente de um ambiente físico, podendo operar com as infinitas possibilidades oferecidas no espaço virtual. Requer principalmente de um grupo de visionários, com distancia crítica e emocional, atuando ombreados com as inteligências locais e representativas do poder público, academia, sociedade civil e iniciativa privada, que usando as ferramentas e metodologias já consagradas, dentre elas as Oficinas de Design Territorial, possam acolher, analisar, debater e propor ações que sejam viáveis, inovadoras e impactantes, escolhendo dentre os muitos destinos possíveis e desejáveis aquele que melhor se adapte as condições, possibilidades e aspirações de cada lugar.  

 

 

11 de julho de 2024

Minhas percepções sobre a Rede Mundial de Cidades Criativas da UNESCO

 Um dos grandes méritos das Organizações da Nações Unidas foi perceber, através da UNESCO, que a cooperação técnica e o intercâmbio entre cidades era muito mais fácil e efetivo que entre países. Imbuída deste espírito, nasce em 2004, a Rede Mundial de Cidades Criativas da UNESCO, aproximando as cidades que colocavam a cultura e a criatividade como mola propulsora de um desenvolvimento sustentável. Inicialmente com apenas 14 cidades, 20 anos depois a Rede conta hoje com 350 cidades de cem países, sendo 14 do Brasil.   

Para entrar nesta Rede, cujo principal objetivo é o compartilhamento de suas melhores práticas, as cidades devem submeter, nos editais lançados a cada dois anos, um dossiê apontando suas principais realizações e méritos em um dos sete segmentos definidos pela UNESCO. São eles. 1. Artes Midiáticas, Artesanato e artes folclóricas; 3. Cinema. 4. Design; 5. Gastronomia; 6. Literatura e 7. Música.

Este dossiê de candidatura, assinado pelo prefeito da cidade candidata, deve conter um orçamento que assegure a realização dos projetos e atividades que foram propostas caso a cidade venha a conquistar essa designação de Cidade Criativa da UNESCO, dentre eles a participação, de no mínimo um representante, nos encontros anuais da Rede, que este ano acaba de ser realizado na Cidade de Braga em Portugal.  

Em 2009 fui convidado pela UNESCO para participar do fórum das Indústrias Criativas na cidade de Monza / Itália onde tomei conhecimento da Rede recém criada, sendo motivado a ser um promotor desta iniciativa nos países da América Latina onde estivesse atuando.

As duas primeiras cidades com as quais colaborei, para entrarem na Rede da UNESCO, foram Ensenada no México e Florianópolis, em 2014, onde então residia, ambas na categoria Gastronomia e Puebla/ México em 2015 como cidade do design.  A parti daí, a cada dois anos, sempre contratado pelo SEBRAE, coordenei a elaboração das candidaturas de João Pessoa como cidade do Artesanato em 2017, Fortaleza, cidade do Design em 2019; Campina Grande Cidade das Artes Midiáticas em 2021 e Penedo, Cidade do Cinema em 2023.

Atuando com ponto focal, primeiro de Florianópolis e depois de João Pessoa, participei nos últimos dez anos dos encontros em Kanazawa(Japão); Pequim(China); Ostersund (Suécia); Cracóvia (Polônia); Fabriano (Itália); Santos (Brasil) e Braga (Portugal).   

Neste momentos únicos, dedicados principalmente a facilitar a aproximação entre cidades com problemas e anseios comuns, tenho presenciado um gradual distanciamento destes objetivos, com a participação de representantes das cidades com um perfil mais político do que técnico, e alguns mais preocupados em fazer turismo do que buscar parcerias.

Além da participação das cidades ser compulsória neste encontro anual muitas não enviaram seus representantes neste ano a Portugal. Das 14 cidades do Brasil na Rede UNESCO apenas oito compareceram: Curitiba, Florianópolis, Brasília, Belo Horizonte, Campina Grande, João Pessoa, Penedo e Santos e se ausentaram: Rio de Janeiro, Paraty, Recife, Salvador, Fortaleza e Belém.

Isso se deve, no meu entendimento, ao descompromisso de alguns gestores municipais com esse título, que a eles não pertence, cujo dever deveria ser o cumprimento dos acordos pactuados para a conquista de título de cidade Criativa.

Me causa também um certo constrangimento ver a sede de protagonismo de alguns pontos focais que não compartilham desta experiência, restringindo ou privando a participação de outros possíveis representantes de suas cidades capazes de atuarem de modo mais técnico e proativo.

A imagem que passam algumas cidades, que por sua inação são considerada fantasmas na Rede, é que entraram apenas para conquistar um selo de distinção como destino turístico qualificado, perdendo a inestimável oportunidade de aprender pelos exemplos, de fazer parcerias para o desenvolvimento de projetos conjuntos otimizando ou economizando tempo e recursos preciosos.

Se pertencer a esta Rede é uma conquista, ser dela excluída pelo descumprimento dos acordos pactuado é uma vergonha. Isso poderá doravante acontecer quando cada cidade completar quatro anos na Rede e seu relatório de atividades for reprovado. É uma pena que seja necessário que isso aconteça para que algumas delas despertem de sua letargia antes que seja tarde demais.