O Conselho Mundial de Design estabeleceu em 2008 que o dia 29 de junho como a data para se celebrar, em todo o mundo, o Dia Mundial do Design Industrial. A cada ano um tema de reflexão é proposto e o de 2024 é Let´s get emotional, algo como, deixe-se emocionar.
Eu, como ex-diretor do Conselho, e um dos apoiaram a criação desta data festiva, sinto-me na obrigação de não deixar passá-la em branco, seja no nível pessoal seja coletivamente, pois nas celebrações nos conectamos melhor.
Nesta noite do dia 29 de junho estarei atravessando o Atlântico para participar na Cidade de Braga, Portugal, do Encontro Mundial das Cidades Criativas da UNESCO, representando, com muita honra e orgulho, João Pessoa. Por esta razão, e na impossibilidade de festejar com meus pares designers, em algum bom bar da vida, deixo essas poucas reflexões sobre o tema sugerido.
A primeira delas é a constatação pessoal que as melhores ideias que tive nasceram primeiro no coração. Não no sentido amoroso da palavra, mas no sentido emocional, de buscar a surpresa e o encantamento em cada projeto. Em cada ação foi antes necessário me deixar emocional pelo desafio, pela dureza do problema, pelas exigências interpostas. É aquela força do ódio do bem. Não é racional, é puramente emocional, e por isso mesmo carregada de adrenalina. Uma descarga de energia e eletricidade que provocam sinapses desenhando novas rotas, assimétricas, inovadoras, fenômeno que costumo chamar de orgasmo criativo. Para que isso aconteça temos de nos deixar emocionar.
A conclusão que tiro destas experiências é a de evitar sempre o caminho do meio, que é o caminho da mediocridade, das soluções óbvias e fáceis. A questão não é buscar a eficiência dos processos, preocupação dos engenheiros, mas a eficácia emocional das respostas insuspeitas e surpreendentes. Esse é o desfio dos designers e para isso a empatia é a porta de entrada. É pensar com o outro, é querer como o outro, é descobrir seus desejos ainda não revelados.
Esse outro que falo é o usuário do meu produto ou serviço, é quem compra, consome e usa. Paradoxalmente não é quem o produz e que paga pelo meu trabalho, seja ele um empresário, ou um órgão do governo. Quem me contrata busca uma solução para um problema de demanda, de alguém que deseja ou necessita de um produto ou serviço que venha de encontro as suas expectativas. Portanto é esse individuo que devo agradar, fazê-lo feliz. Para isso necessito entendê-lo, conhecê-lo, vivenciar seus hábitos, dialogar com suas escolhas.
A exceção à regra é no design artesanal. Neste processo de simbiose entre o saber fazer e o saber conceber, tem de ser empatia, troca, conversa, cumplicidade, sentimento. Somente assim emergem produtos que nos emocionam.
Assim foi quando realizamos uma Oficina Criativa em Bogotá para desenvolver propostas para uma nova Joalheria Colombiana. De um lado um pequeno grupo de designers brasileiros com experiência em joalheria e com uma visão cosmopolita e distância crítica. Do outro lado 30 artesãos selecionados de varias partes da Colômbia. O primeiro dia foi uma imersão na cultura local, visitando lugares emblemáticos da cidade, de museus a cafés típicos, conversando com as pessoas, se imiscuindo positivamente naquele mudo particular. No segundo dia um mergulho interior no mundo inconsciente e emocional dos artesãos, trazendo a tona memórias afetivas de coisas e lugares. Foi este repertório iconográfico o insumo indispensável para o exercício projetual. Porém, projetar para quem? Com o apoio de sociólogos definimos alguns públicos específicos, com suas particularidades e desejos. Nossos alvos foram: Donas de Casa; Noctâmbulos; Exitosos; Gays; Novos Campesinos; Cultos.
Neste exercício de se colocar na pele do outro, de tentar entender seus anseios (estéticos, afetivos) despertam ideias diretamente conectada entre cérebro e coração ao imaginar a emoção, a experiência e fruição, diante da nova joia. Este espanto tem de ser surpresa, admiração, encantamento e desejo. Nessa ordem.
Os resultados desta Oficina ainda os recordo depois de 30 anos. Para as donas de casa colares e pulseiras que incorporavam novos elementos em cada grande comemoração como nascimento dos filhos. Para cada conquista afetiva um testemunho físico na forma de um acréscimo à joia matriz. Para os noctâmbulos joias para serem vistas no escuro dos bares e discotecas. Joias em neon, luminosas, fluorescentes. Para os gays joias para serem sentidas e não necessariamente visuais, com materiais, texturas e temperaturas diferentes ao toque. Para os exitosos joias em filigrana com referências a fauna superior, Falcão, Águias, Jaguar. Para os novos campesinos as joias em prata com elementos da flora colombiana. Produtos que foram de encontro ao seu nicho de mercado, abrindo novas possibilidades e um olhar mais generoso e menos autocentrado dos joalheiros. Uma mudança de comportamento que o design ensinou.
Em todos os desafios, em cada novo projeto, deixe-se emocionar antes de começar a busca pela melhor solução. Os grandes projetos nascem primeiro no coração.
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