7 de setembro de 2015

Trinta dias em Puebla

A experiência como professor visitante, em uma das melhores universidades da América latina, serve a vários propósitos, dentre eles a autodeterminação de completar uma trajetória como designer, exercendo a docência em tempo integral e não de modo episódico como já havia experimentado no passado.
Isso exigiu uma reprogramação cerebral, aceitando rotinas disciplinadas, encargos e horários, normas e procedimentos, revisando conceitos, métodos, técnicas e ferramentas, muitas delas apreendidas no exercício da profissão e não no estudo sistemático de conteúdos acadêmicas. Confirmo minhas suspeitas que meu aprendizado se deu de modo empírico, porém assertivo e convergente com as melhores práticas, que foram documentadas ao longo das últimas décadas, com a vantagem de poder agora coteja-las com exemplos reais fruto de experiências pessoais ricas e exitosas.
Assumo o papel de ser um agente de mudança e não de um transmissor de conhecimentos junto com o desafio de propor um modo diferenciado de praticar à docência no design, buscando através do exemplo pessoal transmitir valores e compromissos na construção de um futuro possível e desejado, onde a consciência cidadã prevaleça sobre os anseios individuais, respeitando e valorizando as diferenças culturais e buscando, mais que soluções a problemas, mudanças comportamentais que os evitem.
O contato diário com os estudantes e professores aprofunda minha visão de um pais complexo, desigual, culturalmente rico, extraordinariamente diverso, com hábitos e costumes singulares difíceis de serem compreendidos em uma análise apressada e simplória de um turista. E necessário viver o dia a dia como cidadão regular, experimentando seus direitos e deveres, absorvendo sua cultura única, enfrentando os problemas do cotidiano, infiltrando-se em seu tecido social, para se ter uma noção do potencial existente enquanto nação e das possibilidades presentes.
Percebo um nacionalismo exacerbado, talvez pela proximidade do dia pátrio, diferente daquele verificado em outros países que conheci. Hábitos e costumes, já extintos na cultura brasileira, aqui ganham contornos fantásticos, como as festas de quinze anos, casamentos, primeira comunhão, festas religiosas e principalmente o dia de finados. Essas celebrações fazem parte da alma Mexicana, como o futebol e o carnaval da alma Brasileira.
As maiores diferenças culturais ocorrem na gastronomia, seja pela diversidade de pratos típicos e seus ingredientes, seja pela forma de preparação e consumo, muitas delas sem os cuidados higiênicos com os quais estamos acostumados. Come-se em todos os lugares, principalmente nas ruas, com as mãos, justificando de certo modo a frequente indisposição intestinal dos turistas desprovidos dos anticorpos específicos. Cordiais, divertidos, hospitaleiros, bem-humorados, os Mexicanos se transformam atrás do volante de um carro, tornando-se agressivos, impacientes e temerários. A ostentação ou a necessidade de afirmação social se traduz na maciça presença de camionetes e veículos para uso rural nas cidades, impondo com sua presença a preferência no transito.
Um país que conta com 700 vulcões e terremotos quase diários parece ter perdido a dimensão do perigo. Convive-se com a corrupção, a burocracia, a violência, a desigualdade social, como se fossem problemas insolúveis, cada um buscando sua própria zona de conforto e de segurança. Essa aceitação passiva de uma realidade que pode, e deve, ser alterada tem sido o centro de minhas reflexões. A distância crítica me permite apontar problemas que o convívio diário das pessoas já não permite perceber sua importância e dimensão.
A amplitude térmica, com diferenças de 20 graus entre a noite e o meio dia, nos obriga a trocar de roupas e de hábitos. Uma nova morada, permanente e provisória ao mesmo tempo, obriga a fazer escolhas entre o efêmero e o durável. Uma nova língua, parecida e diferente do português, leva a confusões semânticas e interpretações equivocadas. Velhos e novos amigos, em um ambiente diferente daquele com que estávamos habituados nos permite mudar nossa percepção e postura, buscando assim corrigir falhas e defeitos e a possibilidade de sermos melhores.
Tudo isso tem feito valer a pena a decisão de morar aqui durante um ano.

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