26 de março de 2015

O luxo emocional e o sentido de pertencimento na decoração de interiores

Sem me ater às diferenças conceituais que existem entre decoração, design de interiores e arquitetura de interiores, discussão essa que interessa muito mais aos acadêmicos que ao público em geral, gostaria apenas de marcar minha posição sobre o que penso sobre os compromissos daqueles que se dedicam a estas atividades. Alguns defendem de modo restritivo e reducionista que os decoradores se ocupam apenas da casa e seus ambientes internos ou externos. Os designers de interiores dos ambientes comerciais e profissionais (lojas, consultórios, escritórios, etc) e os arquitetos de interiores dos ambientes de uso coletivo (edifícios públicos, hospitais, escolas, bibliotecas, museus, bares, restaurantes, etc)
Defendo a ideia de que os profissionais que trabalham com a ambientação dos espaços, independente de sua formação ou do tipo de espaço a ser projetado, o fato de serem públicos ou privados, abertos ou fechados, devem ter como primeiras preocupações, o conforto, a segurança e a satisfação humana.
Em primeiro lugar deve vir o conforto. Isso significa dotar o ambiente de condições adequadas às tarefas que ali serão desenvolvidas, levando em consideração, logicamente as características físicas e antropométricas dos ocupantes. Isso determinará a altura de bancadas, o desenho dos armários e a escolha dos móveis. A busca pelo conforto significa considerar também os aspectos sensoriais, em especial a visão e a audição, dotando os espaços de uma ventilação e climatização adequada, de uma iluminação correta e proteção acústica. Ventilação e climatização adequada podem ser obtidas com especificações de projeto, através de paredes vazadas, aberturas zenitais, altura do pé direito, envidraçamento adequado e outras providencias que permitam a troca e circulação do ar e de calor, ou impeçam a entrada do frio, dependendo da região. Revestimentos acústicos minimizam a reverberação dos sons e atenuam os ruídos.
A definição e escolha dos materiais, mobiliário e equipamentos devem levar em consideração sua durabilidade e facilidade de limpeza e manutenção. Isso também significa conforto. Equipamentos de ar condicionado e máquinas de lavar de ruído reduzido, refrigeradores com baixo consumo de energia, de preço acessível e funcionalidade satisfatória devem ser buscados por quem os especifica. Fogões e coifas importadas, que custam dez vezes o preço de um similar nacional não significam luxo, mas ostentação e trazer problemas quando for necessária uma assistência técnica.
Em segundo lugar, mas não menos importante, está a questão da segurança. Isso significa prever, para evitar, o risco de acidentes em função da correta colocação dos produtos e equipamentos permitindo ou restringindo o acesso aos mesmos de acordo com as necessidades. Traduzindo em exemplos práticos significa evitar a acesso de crianças aos pontos de energia, sinalizar adequadamente escadas elementos contundentes, prever saídas, luzes e equipamentos de emergência, dentre outras questões. Sinalizar não significa colocar placas e avisos. Às vezes basta utilizar um elemento cromático diferenciado no primeiro lance de escada ou em um desnível do piso para evitar acidentes. A escolha dos pisos e revestimentos deve sempre levar em consideração o tipo de utilização, existindo modelos adequados para áreas úmidas em substituição aos pisos lisos e escorregadios. Não basta atender as exigências e normas preconizadas pelos bombeiros. É comum vermos espaços com poucos pontos de eletricidade. Tomadas localizadas em lugares de difícil acesso ou distantes dos pontos, onde é previsível o uso de equipamentos elétricos, acabam induzindo ao uso de múltiplos equipamentos em uma única tomada, causando sobrecarga ou curtos circuitos. Isso não representa excesso de zelo ou uma preocupação desmesurada com eventos improváveis. Quando estamos lidando com questões que põem em risco a vida humana todo cuidado sempre é pouco. Temos sempre de ter em mente as limitações físicas ou cognitivas de crianças e idosos.
Em terceiro lugar está a questão da satisfação humana entendida como sendo uma resposta positiva às diversas expectativas e exigências estéticas, sensitivas ou emocionais. Viver em um espaço acolhedor e prazeroso, como uma metáfora do colo materno, é o sonho de todos. Um espaço decorado deve ter a cara do dono e não de quem o decorou. Nisso reside a diferença entre um artista e um designer, que é o compromisso.
O artista, qualquer que seja popular ou erudito, deve ter um único compromisso que é consigo mesmo. Exprimir sua visão pessoal e única de tudo que o cerca e o sensibiliza, expandindo os limites do conhecido, é a razão de ser do artista. Gostar ou não daquilo que ele faz é problema do observador, não dele. A partir do momento que produz arte para vender, passa a ser um comerciante, que utiliza sua técnica, sua habilidade, sua cultura e sua sensibilidade apenas para agradar ao público, deixando de ousar, de criar algo novo e revolucionário. Os verdadeiros artistas devem ficar imunes aos modismos, aos apelos do mercado, ao assédio dos marchands cujo objetivo é vender e às aproximações tendenciosas de outros criativos cuja meta é intervir em seu trabalho para atender necessidades próprias. Resumindo, o compromisso do verdadeiro artista é com sua arte e não com quem a compra.
Com o designer, não importando sua especialidade (produto, gráfico, interiores, moda...), seu compromisso é com seu cliente. Sua responsabilidade é atender as necessidades daquele que o contrata e daqueles que serão usuários de suas criações. Respeitar o gosto, a cultura e os valores do cliente, ou daquele que irá habitar ou usufruir do espaço ambientado, deveria ser um imperativo de projeto. Esse repertório do cliente não é necessariamente o mesmo do arquiteto, do decorador ou do designer contratado, mesmo que pertençam a um estrato social semelhante, pois cada um tem sua própria história de vida, de escolhas e recordações.
Para fazer de um lugar um espaço de convívio e de prazer é necessário ouvir com atenção e sensibilidade o cliente para conhecer suas aspirações e desejos. Penetrar em seu universo simbólico requer mais que ouvidos e olhos atentos. Requer uma escuta sensível capaz de identificar as coisas que fazem parte de seu universo afetivo. Recordações de viagens e descobertas para decorar um ambiente nunca são de mau gosto já que o mau gosto é sempre dos outros. Para mim, nada mais triste e melancólico que um espaço decorado com peças e objetos de uma cultura exógena, desconhecida, talvez sonhada, mas jamais visitada. Artesanato, esculturas e objetos de decoração da China, da Índia, de Bali, da Indonésia, que chegam ao Brasil em containers, são atraentes pelo preço, pela novidade e pelo exotismo, mas são desprovidos de conteúdo emocional para quem nunca esteve nestes lugares. Enfeitam mas não trazem recordações. Simulam um falso status. Emprestam um valor simbólico inexistente. Decorando salas que nunca são ocupadas pelos verdadeiros moradores a espera de visitas improváveis.
Uma sala não é um templo com objetos irremovíveis, ocupando eternamente o mesmo lugar, exigindo uma labuta diária para as coisas permanecerem como sempre estiveram. Deixem a pátina dada pelo tempo colorir as paredes. Deixem que os objetos envelheçam com dignidade. As casas não são museus ou galerias de arte. Uma casa para ser um “lar” é uma extensão da vida das pessoas que nela habitam. Mudam com o tempo. Evoluem com suas preferências. Trazem um novo gosto adquirido. Mudam de cor, de estilo. Como as pessoas mudam de penteado, de roupas, de companhias e crenças, os verdadeiros lares são também mutantes.
Cada cômodo tem sua própria personalidade em função do papel que exercem na casa. Suas paredes e pisos podem, e devem ter cores e texturas diferentes. O quarto dos filhos deve ser um território que somente a eles cabem decidir o que entra o que fica, e o que sai. Nestes espaços únicos, singulares, personalizados, reside o sentimento de pertencimento. Pertencer a um determinado lugar é parte de sua identidade. Se sentir em casa, seja em um país, uma cidade, um bairro, uma rua, uma vivenda, e dentro dessa até mesmo um cômodo, traz um sentimento de segurança, de proteção, de abrigo. É saber para onde voltar. Esse mundo singular no qual nos sentimos integrados configura uma cultura específica e uma identidade própria. Nisso está nossa diferença com os demais habitantes do planeta. O que gostamos o que sentimos o que vemos e criticamos nos faz diferente. Se ampliarmos o olhar descobrimos que existem outras pessoas parecidas conosco, assemelhadas, mas não iguais. Com elas me reconheço, confirmo minha identidade. Sinto-me em casa.
Nossa cultura está impregnada de histórias, lendas, memórias e de um mundo material único e singular. Podem ser objetos com os quais aprendemos a superar nossas deficiências ou a conviver pacificamente em nosso cotidiano, aportando o sentimento de familiaridade. Neste universo material nascem e florescem artefatos que trazem consigo as raízes do lugar. Sua história, seu passado, seus mitos, crenças e ritos. Estes objetos são expressão de nossa cultura. O artesanato e a arte popular são portadores de uma visão de futuro, muito mais que um olhar ao passado. Renovam-se continuamente, impulsionados pelo mercado e pelo desejo permanente de criar.
Trazer o artesanato do lugar para o interior das casas é prova de amor e respeito com sua cultura além da satisfação pelo retorno social, que significa criar novas oportunidades de renda e de trabalho para os artesãos. Diferente do artista popular o compromisso do artesão é com sua família. Fazer do seu trabalho um meio de subsistência permitindo adquirir os produtos e serviços que necessita. O artesanato não vive da repetição, do lugar comum, do estereótipo fácil apenas sobrevive. Para manter-se vivo e atuante o artesão deve renovar sua oferta, melhorar continuamente a qualidade de seu trabalho, ouvir a voz do mercado, inovar, mas sem desvirtuar. Surpreender pelo compromisso com as pessoas do lugar e pelo respeito ambiental.
A tarefa fundamental de um decorador é participar com o cliente da escolha de materiais e peças, funcionais ou de decoração, ofertadas no mercado, ou feitas artesanalmente na região. A descoberta de um elemento artesanal que possa substituir outro importado ou sem um atributo diferenciador significativo, é aquilo que fará o ambiente trazer consigo a personalidade do lugar.
É necessário conhecer, tomar intimidade, se aproximar, para depois gostar, amar ou respeitar. Entender que por detrás de uma peça artesanal reside uma singularidade, uma exclusividade, um luxo emocional. Fazendo um paralelo, tem sido observada uma mudança de comportamento de consumo no vértice da pirâmide social. Da busca desenfreada pelas grandes marcas, pelas grifes internacionalmente reconhecidas, as pessoas de alto poder aquisitivo estão reorientando suas escolhas para produtos feitos artesanalmente, customizados, únicos e exclusivos. As pessoas “antenadas” com as tendências também estão observando esse fenômeno e rompendo seus preconceitos, principalmente em achar que artesanato é coisa de pobre para pobre. Da quartinha ou moringa de cerâmica ao lado da cama, capaz de tratar domesticamente e com grande eficiência a água de consumo noturno, ao revestimento de palhinha trançada como papel de parede, já é possível perceber um nicho de mercado que começa ser revelado. Os profissionais contratados para projetar um produto, espaço ou serviço deveriam mudar sua forma de pensar. Ao invés de dizerem “Eu trabalho para meu cliente” deveriam dizer “Eu trabalho com o meu cliente”. Tarefa difícil para aqueles que se acham superiores. A humildade em ouvir a voz do cliente e com ele visualizar um futuro melhor é o atributo dos bons arquitetos e designers.
É necessário estreitar a colaboração entre os artesãos e quem possa especificá-los na ambientação e na decoração. A aproximação traz benefícios aos dois lados. Os artesãos encontram nos arquitetos, designers e decoradores valiosas contribuições sob a forma de novas ideias, sugestões e demandas, ampliando a possibilidade de sucesso. A especificação e compra do artesanato para a decoração de interiores contribui para garantir a continuidade dessa atividade e do benefício social disso resultante. Por sua vez estes profissionais de projeto buscam nas raízes da arte popular e do artesanato uma ampliação de seu repertório cultural, base para qualquer processo criativo. Neste encontro do saber e do fazer o que permeia as discussões tem sido o conceito atribuído ao que é belo. A beleza é um conceito subjetivo e que muda em função do tempo e do lugar, mas que encontram no pensamento coletivo pontos comuns. Para alguns o belo representa a harmonia e o equilíbrio entre os elementos presentes na peça ou no lugar. Para outros a pureza, a leveza, o essencial despojado do supérfluo.
“A perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar” Saint-Exupéry
O que é feio ou bonito são, ao final, conceitos pessoais e intransferíveis. Podemos nos aproximar, mas nunca alcançar na plenitude, o conceito de belo que reside no outro. Porém, o que é bom é bom, ou seja, é o contrario do ruim. Enquanto a beleza está no domínio do intangível à qualidade está no mundo físico. E visível é palpável. Um produto bom é aquele feito com habilidade e destreza e carrega uma carga emocional e cultural. Como disse Janete Costa, justificando suas escolhas em um concurso de produtos artesanais “Nem tudo que é bonito é bom e nem tudo que é feio é ruim”.
Essas reflexões remetem ao conceito de pertencimento, de identidade, de coerência entre o ser humano e seu espaço habitável. Da morada que é um lar e não apenas uma casa.
Satisfeita essa necessidade física, de morar bem, com conforto, com dignidade, com familiaridade, podemos aspirar um segundo nível de exigência ou expectativa, que é morar com luxo. Remetendo as palavras de Coco Chanel para quem o ”luxo não é sinônimo de ostentação. O luxo é o contrário da banalidade” podemos admitir que o luxo fosse tudo aquilo que é capaz de fazer a diferença entre o medíocre e extraordinário. O medíocre é o que está no meio, entre o bom e o ruim, entre o feio e o bonito, entre o caro e o barato, entre o útil e o inútil, entre o encantamento e a decepção. O luxo é o exclusivo, o singular, o personalizado, o único, o que traz consigo uma distinção de valor emocional. Respirar o ar puro da montanha, beber da água cristalina da fonte, dormir sem ruídos e insetos ao redor, trabalhar naquilo que dá prazer, desfrutar da companhia de verdadeiros amigos... Tudo isso é luxo, que não se adquire apenas com dinheiro.
Para os que pensam em decorar suas casas digo: Luxo é ter um espaço próprio, único, personalizado, com sua cara, seu jeito de ser e de viver, onde você se sinta bem, recompensado, energizado e feliz. Para realizar essa tarefa busque o trabalho de um profissional (decorador, arquiteto, designer de interiores) que possa indicar e ajudar na definição das cores, dos revestimentos, dos móveis, equipamentos, objetos, na definição do layout, na escolha dos fornecedores e todas as demais atividades de modo há racionalizar os tempos, movimentos e custos. Mas não delegue responsabilidades. Participe das escolhas e faça ouvir seu coração. Afinal quem vai morar neste lugar é você e não quem o decorou.
E, para os decoradores, arquitetos e designers duas atitudes éticas fundamentais que não devem ser esquecidas são o respeito com o gosto e com o dinheiro de seu cliente. Trabalhe com ele e não para ele. Seja capaz de aportar com seu amplo repertorio tecnológico e cultural aquilo que o cliente talvez desconheça e de repente nem sabe que necessita. Traduza o desejo e expectativa em surpresa e encantamento.
E, finalmente, olhe com generosidade, com sensibilidade e com um pouco de erudição, a arte popular e o artesanato como alternativas ecologicamente responsáveis, socialmente justas e culturalmente insubstituíveis. Lançamento da Casa Cor Espírito Santo 2015 Vitória, 24/03/2015

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