19 de março de 2008

19 de março - Dia Nacional do Artesão

Este artigo, apesar de ser um pouco extenso para os padrões da internet, tem por objetivo apresentar algumas reflexões e orientações, que espero possam ser úteis para todos aqueles envolvidos com a melhoria da produção artesanal brasileira. São dez pontos a serem considerados para um melhor posicionamento dos produtos no mercado partindo do ponto de vista dos consumidores, cada vez mais conscientes e exigentes com relação a qualidade daquilo que adquirem.

artesanato e mercado - 10 pontos a serem considerados

Até alguns anos atrás o artesanato brasileiro era pouco conhecido do grande público. Existiam dificuldades de toda ordem, sendo a mais importante delas o distanciamento entre o artesão e o consumidor.
Comprar um bom produto artesanal exigia certo esforço, um pouco de sorte e muita disposição. Para se encontrar aquilo que se buscava era necessário ir até à oficina do artesão ou nas esporádicas feiras que se organizavam, ou então nas lojas especializadas com preços nem sempre convidativos.

Os produtos pouco se diferenciavam de um ano para o outro, deixando uma impressão de “já visto”, na contra mão do desejo dos consumidores, sempre ávidos por novidades.

A embalagem sempre foi uma preocupação menor na cabeça dos artesãos, pois achavam que a única coisa importante era a qualidade de seu trabalho. Embrulhar o produto vendido em jornal, apenas para protegê-lo, e colocá-lo numa sacola de plástico era suficiente. Pagar com cartão de crédito ou cheque, pouco provável.

A matéria prima era aquela que estava disponível, ao alcance da mão, sem maiores preocupações com sua reposição ou de modificar a forma de extração muitas vezes predatória.

As condições de trabalho nas oficinas, quase sempre precárias por falta de alguém que pudesse orientar os artesãos sobre processos mais adequados, informar sobre os equipamentos mais eficientes e explicar as regras básicas para tornar o trabalho menos insalubre, perigoso ou cansativo.

O preço dos produtos era muitas vezes ditado pela necessidade, ou pela cara do comprador. Deste modo ninguém estava satisfeito. Os artesãos ganhando pouco e os compradores reclamando dos altos preços por desconhecimento da dificuldade para produzir as peças ou pelo acréscimo dos atravessadores.

As instituições
que existiam para apoiar o artesanato preferiam ações assistencialistas e de caráter paternalista, fruto de uma visão ingênua e romântica da atividade artesanal.

Porém, tudo isso começou a mudar nos últimos dez anos. As ações governamentais foram melhor planejadas. Especialistas nacionais e estrangeiros convidados a darem sua contribuição. O Programa do Artesanato Brasileiro deixou a esfera do bem-estar social e foi para a área econômica ocupando um espaço no Ministério da Indústria e Comércio. Foi criado o programa do Artesanato Solidário e o SEBRAE aportou recursos criando programas de apoio ao artesanato em todos os estados da federação. Nenhum outro país do continente americano fez um esforço semelhante.

Os resultados começam a aparecer. Temos hoje unidades artesanais com uma posição consolidada no mercado, exportando seus produtos e ganhando prêmios em feiras e exposições no exterior. Rodadas de negócios para divulgar e incrementar as vendas. Cursos e programas de capacitação para os artesãos deram um salto qualitativo na produção, agora mais diversificada e de maior qualidade. A aproximação entre designers e artesão criou uma nova oferta artesanal, mais seletiva e de maior valor agregado.

Uma mudança na mentalidade dos consumidores já pode ser percebida, que não vêem mais o artesanato apenas como produtos de baixo valor para compradores das classes C e D. O artesanato brasileiro está consolidando uma posição de destaque no mercado mundial. Para muitos consumidores esclarecidos o artesanato passou a ser sua opção de compra numero um, substituindo produtos industriais de origem desconhecida, impessoais, massificados e sem uma história para contar.
Apesar dos grandes avanços verificados, ainda existe muita coisa para ser feita, já que esta é uma mudança cultural e isso leva tempo para ser concluída.

Prognóstico
As recomendações a seguir destinam-se prioritariamente aos artesãos, mas servem também para os técnicos envolvidos com as atividades artesanais.
Trata-se de um conjunto de observações, obtida com o resultado das feiras, rodadas de negócios, eventos, concursos e premiações que foram organizadas. Essa aproximação, com a realidade do mercado atual, aplica-se a todas as tipologias artesanais.
São recomendações, agrupadas em 10 pontos, coincidentes com os critérios adotados pelo SEBRAE em suas ações de avaliação do desempenho das unidades artesanais adotadas nos últimos anos.

1.O mercado quer inovações
Muitas pessoas ainda pensam que o artesanato não deve mudar e que deve se manter fiel às tradições. Este pensamento, aplicado literalmente, serve apenas para perpetuar a mesmice e a pobreza. A cultura é um processo dinâmico e vivo e não se pode pensar em aprisionar o artesanato em técnicas, formas, cores e motivos que pertenceram a uma determinada época do passado.

Com o crescimento impressionante dos meios de comunicação, e do intercâmbio comercial entre países e regiões, a informação sobre novos produtos chega ao mercado antes dos mesmos, criando uma expectativa e o desejo de consumo muito forte. Com isso as pessoas passaram a adquirir bens e serviços muitas vezes movidos pela novidade. O desejo de estar em dia com o que acontece no mundo passou a ser uma das preocupações, às vezes inconsciente, de muitas pessoas.
Hoje os consumidores querem ser surpreendidos por algo que lhes toque o coração e a mente, e que seja diferente daquilo que já conhecem.

O instituto de Pesquisas Econômicas - IPEA, divulgou o resultado de uma pesquisa que fez com milhares de empresas brasileiras, de todos os tamanhos e em todos os setores produtivos. Descobriu que apenas 1,7% delas investem sistematicamente em inovação (em alguns países mais avançados este percentual chega a 70%). O investimento em inovação, mostrou a pesquisa, é baixo, não sendo superior a 1% do orçamento das mesmas e o resultado impressionante: Estas poucas empresas brasileiras que investem em inovação respondem por uma quarta parte de toda a produção industrial do país.

Para criar novos produtos, singulares e atraentes, é necessário saber o que o mercado deseja e necessita. Pesquisas de demanda não são complicadas, custosas e nem difíceis de fazer como muitos pensam. Estas consultas ao mercado podem ser feitas por amostragem, com pequenos grupos de consumidores, e assim conhecer melhor suas preferências e rejeições.

Um produto consagrado, tradicional, pode ter suas vendas dinamizadas com pequenas providencias tais como: mudança dos tamanhos, variações na aparência, nas formas e cores, nos motivos, na destinação ou mesmo no uso. Criar uma família de produtos a partir de um produto de sucesso é um modo de aumentar seu ciclo de vida.

Cada nova temporada, estação do ano, ou celebrações tradicionais são uma excelente oportunidade para lançar uma nova coleção de produtos artesanais, desenvolvidos sob um tema, porém mantendo as características que o consagraram.

Este esforço de inovação não é trivial. Deve ser realizado com a colaboração de designers experientes que possam preservar as características técnicas, sociais e culturais que os produtos artesanais possuem através de seus vínculos à cultura local. Inovar sem descaracterizar.

2.O mercado quer pagar um preço justo pelos produtos
O preço de um produto não é somente o resultado da soma do tempo gasto, mais o custo da matéria prima. Seu preço deve ser calculado a partir de vários critérios, incluindo despesas, investimentos, impostos e lucro. Também devem ser considerados os preços praticados pela concorrência. O artesanato, por se tratar de um bem de valor simbólico, deve ter seu preço fixado em função do público visado, seu grau de aceitação e da satisfação que proporciona.

O artesanato está muitas vezes relacionado com uma experiência vivenciada pelo consumidor. Emoções de viagens e novas descobertas, são tornadas perenes com duas ações principais: fotos dos lugares e situações vividas e a aquisição de um produto que lembre aquele momento. Portanto artesanato e turismo andam sempre de mãos dadas.

3.O mercado quer produtos cuja qualidade seja visível.
Um produto tosco, mal acabado, sujo não tem mais vez no mercado. O fato de um produto ser feito à mão não significa que ele seja rudimentar e sem qualidade. Ao contrário. Deve primar pela qualidade de execução e de acabamento. E para que isso aconteça é necessário que a oficina do artesão seja organizada, limpa, com condições de trabalho adequadas, com boa iluminação, ventilação e conforto. Isso ajuda inclusive na prevenção de acidentes de trabalho. Não se pode esperar qualidade de produtos onde não exista qualidade de produção. Qualidade de produto significa acima de tudo que ele desempenhe satisfatoriamente a função para a qual foi concebido.

4.O mercado esta mais consciente e preocupado com as questões ambientais.
Os consumidores mais conscientes, assim como muitos mercados compradores de produtos considerados naturais, estão começando a exigir um “selo verde” ou algo que explicite a origem das matérias primas e o impacto dos processos usados em sua produção sobre o meio ambiente. Certos insumos e materiais perigosos, poluentes e tóxicos não devem ser mais utilizados, presentes em muitas colas, vernizes e agentes químicos. O mercado quer produção limpa. A preocupação com o manejo das matérias primas, buscando sua reposição ou substituição quando escassa passou a ser uma questão de sobrevivência da atividade artesanal. Não consumir hoje, sem repor, aquilo que poderá faltar amanhã.

5.Técnicas e processos adequados de produção resultam em produtos melhores, com melhor preço e maior aceitação
As ferramentas são extensões das mãos dos artesãos. Quanto melhores, mais precisas, mais eficientes, melhor será o resultado do trabalho. Os grandes artistas sempre se utilizaram das melhores técnicas disponíveis em seu tempo.

Certos processos, embora seculares ou tradicionais em certas regiões podem ser substituídos por outros mais modernos sem que isso signifique descaracterizar o produto artesanal. Um torno a pedal pode ser substituído por um torno elétrico sempre que a situação econômica do artesão permita. Um forno a lenha por um forno a gás, apenas para citar dois exemplos.

6.O mercado quer saber a origem e a história dos produtos
Um produto artesanal traz consigo uma história. Essa informação é que lhe confere o sentido de pertencimento, de fazer parte de um lugar e de um momento específico.

Os produtos naturais e artesanais devem possuir uma espécie de “certidão de nascimento” e que sejam relacionados com a cultura de sua região de origem.

Mesmo constantemente renovado os produtos deve manter algumas características fiéis ao repertório simbólico regional. Pesquisas realizadas sobre a identidade e iconografia regional podem apontar os elementos pictóricos, formais e cromáticos mais adequados a serem utilizados.

Uma etiqueta com os dados do produto, sua origem e sua história é o mínimo que o mercado espera.

7.A embalagem é parte do produto artesanal
Os artesãos devem ter a mesma preocupação e empenho com que criam novos produtos com as embalagens que irão protegê-lo. A função da embalagem do produto artesanal, além de obviamente protegê-lo e facilitar seu transporte, deve também emprestar valor ao produto. Pensem na embalagem como se fosse a roupa de festa do produto, porém simples, bonita e coerente com seu conteúdo.

8.O mercado quer marcas de valor
Para muitas empresas seu nome e sua marca valem mais que seu patrimônio físico. Com o artesanato isso não é diferente. Algumas unidades artesanais conseguiram uma projeção tão grande no mercado que hoje sua marca faz com que seus produtos tenham um preço diferenciado da concorrência.
Portanto, todo artesão deve investir na melhoria e na consolidação de sua imagem, criando e utilizando de modo ordenado elementos próprios de identificação. Esta é uma tarefa especializada que deve ser delegada a um designer ou artista gráfico, sendo um item de investimento e não um custo, já que o resultado sempre se traduz na melhoria das vendas e do posicionamento no mercado.

9.O mercado não quer amadorismo nas relações comerciais
Artesão que não cumprem prazos, que atrasa na entrega das encomendas, que não mantém a qualidade constante de seus produtos e que muda os preços constantemente está fadado ao fracasso. Já foi o tempo que o mercado aceitava estas deficiências como excentricidades de artistas. É necessário tomar consciência que um negócio é bom quando todos saem ganhando. Para vender mais e melhor é necessário ter o apoio de uma estrutura comercial, própria ou associada. A aspiração de todo artesão (porém não dos artistas) é ser um pequeno empresário de sucesso. É isto começa com o artesão mudando sua forma pessoal de ver seu próprio trabalho, como algo improvisado, informal e sem contratos.

10.Cresce a responsabilidade social de todos
É uma grande ilusão o artesão acreditar que somente ele pode fazer aquele trabalho que faz. Isso é mais comum nos artistas procurando expor sua visão pessoal e única do mundo que os cerca. O artesão, regra geral, está mais preocupado é com seu sustento e de sua família. Por isso deve procurar transmitir seu saber e seu fazer para outras pessoas pra poder ampliar seu negócio. Quando uma unidade artesanal cresce necessita de mais colaboradores e para isso tem de se programar para capacitá-los e treiná-los para o trabalho. Esta é uma tarefa muito importante e que exige tempo.

Responsabilidade social significa ajudar a formar a próxima geração de artesãos, melhores e ainda mais conscientes transmitindo e multiplicando estes saberes. Responsabilidade com o mundo começa assumindo uma responsabilidade com a própria vizinhança.

2 comentários:

  1. OI! MEU NOME E DORLEAN ESTOU PRESIDINDO UMA ENTIDADE DE ARTESÃOS EM DIAMANTINA, MG ,E CONSIDERO SUAS IDEIAS SOBRE O ARTESÃO E SUAS OBRAS, MUITO PERTINENTES PARA A NOSSO REALIDADE E PRETENDO DIVUGA-LAS NAS ASSART E EM TODOS OS MOMENTOS QUE TIVER OPORTUNIDADE. AGRADEÇO A INSPIRAÇÃO E OS ESCLARECIMENTOS.

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  2. Parabens por esse excelente trabalho, estou muito motivado para ingresssar no mundo dos artesaos na area de vidro, aproveito para pedir informação se sabes se aqui em recife tem algum curso nessa area
    um abraço

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