27 de agosto de 2008

A profissionalização do artesanato no país

O texto abaixo é de autoria da Jornalista Monica Bernardo Achettinni e foi publicado no Portal do Governo do Estado de São Paulo. http://www.peq.sp.gov.br/peq/

“Há cerca de dez anos atrás, uma viagem ao Nordeste ou a Minas Gerais poderia ser a ocasião para a aquisição de um produto de artesanato. As famosas redes que os nordestinos usam para dar um cochilo, as bonecas do Vale do Jequitinhonha, transformavam-se em souvenirs para os turistas dos grandes centros. Mas fora destas circunstâncias, havia um grande distanciamento entre o artesão e o consumidor final.
E quem viajava ou recorria a oficinas de artesãos sabia mais ou menos o que iria encontrar. “Os produtos pouco se diferenciavam de um ano para o outro, deixando uma impressão de ‘já visto’, na contramão do desejo dos consumidores, sempre ávidos por novidades”, analisa Eduardo Barroso Neto, designer e estudioso do artesanato.
De acordo com o especialista, uma série de ações desenvolvidas pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa) e pelo Ministério da Indústria e do Comércio, responsável pelo PAB (Programa do Artesanato Brasileiro), ajudaram a transformar essa realidade, favorecendo a profissionalização do artesão.
Problemas que antes eram freqüentes como a falta de cumprimento de prazos na entrega das encomendas, descuido nas embalagens, preços dados aleatoriamente, ou melhor, de acordo com a cara do freguês, extração predatória da matéria-prima e condições insalubres de trabalho, começam a se tornar mais escassos.
Rodadas de negócios para facilitar a comercialização dos produtos, programas de qualificação profissional com enfoque em questões técnicas e também na gestão de negócios, a aproximação entre designers e artesãos, resultando em uma maior diversidade de produtos, sintonizados com as necessidades e desejos do mercado - todo esse conjunto de ações tem promovido um crescimento significativo na qualidade de vida dos artesãos.
De acordo com dados do Sebrae, em Minas Novas, no Estado de Minas Gerais, local em que a instituição realizou um extenso trabalho de consultoria e qualificação, a renda média dos artesãos cresceu 150% nos últimos três anos.

Este é apenas um exemplo do incremento na renda evidenciado em locais em que o Sebrae atua e mostra que o artesanato vem deixando de ser uma atividade que garante, quando muito a sobrevivência dos trabalhadores, para se tornar um negócio rentável.
Marta Mendes, gestora do Sebrae de artesanato no Estado de São Paulo, observa que o artesão e o criador de um modo geral, muitas vezes, não conseguem ver o seu fazer como um negócio e que as ações da instituição encaminham-se no sentido de mudar essa mentalidade e tornar o artesanato uma atividade lucrativa.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Econômico Indústria e Comércio, o Brasil tem cerca de 8,5 milhões de artesãos, responsáveis por um movimento financeiro anual de R$28 bilhões.

Ações de apoio ao artesanato
Cerca de 200 artesãos de grupos atendidos pelo Programa de Artesanato do Sebrae-SP apresentaram uma coleção de brindes corporativos na 13° Craft Design, feira de negócios voltada a lojistas, arquitetos e decoradores, encerrada ontem em São Paulo, no Centro de Eventos São Luís.
Entre os brindes desenvolvidos, diversos produtos para escritório como porta-canetas, blocos, pastas, bandejas para papel, cadernos, confeccionados com cerâmica, cipó, bambu, fibra de banana e papel reciclado.
A linha de produtos é fruto de oficinas de design realizadas em julho sob a supervisão de renomados profissionais como Lars Diedrichsen e Paula Dib. As peças foram desenvolvidas depois da realização de pesquisa, que procurou identificar, junto a clientes de brindes, as necessidades do mercado.
Este é das várias ações realizadas pelo Sebrae no setor do artesanato, nos últimos dez anos. Em 1997, foi criado o programa Sebrae de Artesanato, que já atendeu cerca de 220 mil artesãos em cursos de capacitação. O programa existe em todas as 27 Unidades da Federação.
O incentivo ao associativismo e ao empreendedorismo, capacitações nas áreas de design e gestão de negócios, consultorias com foco em marketing, apoio a participação em feiras, são algumas das ações promovidas pela instituição que quer que o artesão deixe de ver sua atividade apenas como um ganha pão, como uma forma de garantir sua sobrevivência.
Os cursos de design podem focalizar novas tendências do mercado e exigir mudanças nas características e no modo de produção do artesanato. Mas esse tema é capaz de gerar controvérsias.
Para Barroso Neto, a cultura é um processo dinâmico e não é possível olhar para a tradição como algo que deve ser repetido, sem alterações. O pesquisador acredita, no entanto, que é preciso ter cuidado para que o contato entre designers e artesãos não se torne uma relação “de cima para baixo”. Frisa ainda a importância do respeito do designer à tradição do artesão e a necessidade de se estabelecer uma troca de saberes e experiências.

O Top 100 é provavelmente a ação na área de artesanato mais conhecida, entre as diversas realizações do Sebrae no setor. Criada em 2006, a premiação tem como objetivo promover o artesanato brasileiro por meio da identificação e premiação das cem unidades produtivas mais competitivas do país.
Os critérios de premiação não se concentram nas características estéticas das peças, mas na organização da estrutura de produção que deve ser capaz de garantir prazos de entrega, manutenção da qualidade, constância nos preços, respeito ao meio ambiente, vínculos com a cultura de origem e responsabilidade social.
Foram diferentes os critérios eleitos por Beth e Valfrido Lima no desenvolvimento do livro “Em Nome do Autor” e na seleção de cerca de cem peças de artistas artesãos de todo o país, expostas atualmente na oficina Beth Lima (mais informações sobre a exposição podem ser obtidas na edição de hoje no link: “eventos”).
Aquilo que norteou o livro e a exposição foram justamente as qualidades estéticas das obras. Mas Beth Lima observa também a necessidade de ações que visem a comercialização das peças. Em sua perspectiva, contudo, a marca do autor não deve ser deixada de lado. É preciso trabalhar nas duas direções.

Como o Sebrae, o PAB (Programa do Artesanato Brasileiro), vinculado ao Ministério da Indústria e do Comércio, também atua em feiras, apoiando a participação de artesãos em eventos nacionais e regionais que priorizem a comercialização de produtos brasileiros. No próximo ano, o programa deverá dar suporte a nove feiras de comercialização de produtos artesanais.
De acordo com a Coordenação Geral do PAB, a inexistência de um marco legal constitui o principal entrave para o desenvolvimento do setor artesanal, em que predomina a informalidade. Atualmente, tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 3.926/2004 que “prevê a instituição do Estatuto do Artesão, define a profissão de artesão, a atividade artesanal e a unidade produtiva artesanal”. O PAB considera que um marco legal para o setor deverá tratar sobre a situação previdenciária do artesão e definir o formato jurídico para os empreendimentos artesanais que, atualmente, assumem estruturas diversas com predominância de núcleos informais de base familiar, associações e cooperativas de produção artesanal.

No Estado de São Paulo, a Sutaco, autarquia vinculada à Sert (Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho), é a responsável pela coordenação dos trabalhoso do PAB .
Com o objetivo de diminuir a informalidade do setor, a Sutaco cadastra os artesãos, emitindo documento capaz de identificá-los como profissionais de artesanato. Depois de cadastrados, os artesãos podem se beneficiar com os serviços prestados pela autarquia, dentre os quais, a emissão de notas fiscais, serviço que facilita a comercialização das peças. Mas informações sobre este serviço podem ser obtidas no link “serviços”, da edição de hoje.

Artesanato, Indústria e Globalização

Pode parecer paradoxal, que quase 230 anos depois do início da Revolução Industrial, em plena globalização da economia e da cultura, voltemo-nos para uma manifestação de caráter predominantemente regional, como o artesanato.
Para muitos autores, a globalização acabará por destruir a identidade das culturas particulares. A multiplicidade de modos de vida e de pensamento estaria em vias de desaparecer para dar lugar a um modelo cultural uniforme. Analistas mais otimistas defendem, contudo, que a globalização pode dar maior visibilidade às culturas já existentes, às manifestações de cada região.
Parece ser consenso entre os especialistas em artesanato que o processo de globalização acabou por valorizar o fazer manual. Barroso Neto lembra ainda que com a massificação promovida pela indústria, aquele produto único, singular, feito pelas mãos do homem, passa a agregar mais valor.
Na realidade, o artesanato está ligado a um processo mais “natural”. A urbanização e o desenvolvimento industrial e tecnológico promoveram já a partir do século XVIII a valorização do “natural”. Tratava-se de uma contrapartida à árida realidade vivenciada nas fábricas e cidades caóticas.
Não é de se estranhar, portanto, que em meio à massificação promovida pela indústria e diante da tensão para a uniformização engendrada pela globalização, o fazer artesanal saia fortalecido.
Mas nas regiões em que a industrialização foi mais intensa, a transmissão do fazer artesanal realizada, na maioria das vezes, de pai para filho, foi em grande parte perdida, como lembra Marta Mendes. Esse é um dos problemas enfrentados pelo artesanato no Estado de São Paulo, frisa a gestora do Sebrae, lembrando que a instituição desenvolve programas para resgatar algumas técnicas artesanais da região que acabaram por desaparecer.
Nesse contexto, chama a atenção a oficina dos irmãos Reginaldo e José Pereira da Silva, no bairro da Pompéia, em São Paulo. Há 25 anos no mesmo local e há 45 na região, na zona oeste da cidade. Reginaldo cuida do atendimento aos clientes, enquanto que o irmão desenvolve peças de mobiliário, utilizando as técnicas que aprendeu com seu pai, quando ainda era menino.
Reginaldo observa, contudo, que adaptações para atender as demandas do mercado são necessárias. Assim, se antes empregavam mais fibras naturais na confecção de mobiliário, atualmente, a fibra sintética é mais usada, pois é mais resistente e permite que as peças sejam colocadas em jardins e varandas.
Ao analisar a situação do artesanato no Estado de São Paulo, Valmir Madázio, superintendente da Sutaco, observa que “apesar da intensa industrialização e urbanização, a produção artesanal em São Paulo revela grande criatividade, poder de adaptação às circunstâncias atuais, além de resgatar tradições e de se miscigenar com contribuições de outros povos e culturas.”
Como explica Madázio, a variedade artesanal presente no Estado,"reflete a miscigenação entre as culturas indígena, africana e dos colonizadores, enriquecida pela contribuição das diferentes culturas dos povos que vieram
para cá".

2 comentários:

  1. Bem por onde devo iniciar...
    A priori devo dizer que sim estou comentando neste texto, mas não, ainda não comentarei sobre ele, não que este seja desinteressante, mas é que a pessoa Eduardo Barroso consegue ser mais fascinante e intrigante.
    Como já deixei claro pessoalmente, te conhecer foi um prazer, vc é um ser gostoso de ter por perto pois foge a regra burguesa de que todo homem dotado de conhecimento e cultura esteja diretamente atrelado a uma imagem de homem chato, pelo contrário, vc é de uma simpatia e alegria que faz com que uma pessoa que mal te conhece tenha vontade de sair no meio da aula só pra te ver mais um tantinho...rs...
    Pois é, adorei tê-lo conhecido, qndo retornares a São Luís me ligue para que possamos discutir sobre o significado do nome Maranhão, saiba que mobilizarei todos os meus amigos historiadores para descobrir tal significado.
    Vou ficando por aqui...Cheiro.

    Lene

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  2. Oi Eduardo,

    tenho feito muita pesquisa sobre artesanato e geração de renda.... desde que me conheço por gente faço coisas - que as pessoas dizem ser artesanato/arte.....

    A pesquisa que realizo é pelo simples motivo de conhecer mais sobre este segmento e também porque já faz alguns anos, que tenho um grande desejo em realizar um projeto de geração de renda com uma produção artesanal.

    desde que me formei em sociologia esta vontade ficou mais latente e no momento me dedico a desenhar (e executar) um projeto que está em sua fase embrionária - formamos um grupo de mulheres que passaram por formação inicial

    Uma das minhas preocupações neste projeto, além das questões que envolve gestão de empresas, aumento do conhecimento universal do grupo é proporcionar noções de designer para desenvolver os produtos...

    Foi assim que aqui cheguei. acredito que seu blog e site poderão me ajudar muito em minha caminhada....

    Se quiser conhecer a formação e produção do grupo de mulheres vá em : http://caderno-campo1.blogspot.com

    Se quiser ver meu trabalho vá em:
    http://luluzinhapontocom.blogspot.com - local onde exponho minhas produções artesanais,

    ou visite: pes-ponto.blogspot.com espaço de variedades e artes visuais

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