31 de maio de 2017

O pensamento do design na gestão de pessoas

Quando aceitei o convite para assumir a Coordenação Geral de Recursos Humanos do CNPq, no principio de 2010, o fiz motivado pela possibilidade de exercitar o Design Management em uma área diversa de todas que havia atuado nos últimos 20 anos. O movimento iniciado na década de 80, que propunha levar o “modus operandi” do design para a esfera da administração das empresas, carecia de exemplos práticos. Todo o esforço de desenvolver e demonstrar a importância da aplicação do Design Management como estratégia administrativa restringia-se quase exclusivamente à esfera acadêmica. A exceção corria por conta de algumas empresas multinacionais, dentre elas a Braun na Alemanha e a Sony no Japão, que incorporaram à sua alta direção o responsável pela área de design. Isso se devia, não somente pela crescente importância da estratégica competitiva de impulsionar a inovação em produtos e serviços, mas também pela forma diferenciada de analisar os problemas gerenciais. São poucas as possibilidades de aplicação do pensamento do design na solução de problemas que envolvam uma grande quantidade de variáveis e tendo sempre o ser humano como principal preocupação. Essa era uma oportunidade de demonstrar na prática estas ideias e conceitos, e também, a possibilidade de resgatar parte da dívida com a instituição que proporcionou grandes câmbios em minha vida profissional, começando pela bolsa de estudos na Suíça em 1979 e depois como empregador em meu retorno ao Brasil em 1981.
Neste meu retorno, depois de 25 anos longe de Brasília, voltei para cumprir um último período antes da aposentadoria quando me deparo com esta nova responsabilidade. A primeira decisão foi colocar em prática os princípios do design socialmente responsável, que é o uso da inteligência para melhorar as condições de vida e de trabalho dos indivíduos. Para isso é necessário, antes de tudo, conhecer as necessidades, expectativas e desejos dos servidores, que somente através de uma escuta sensível e individualizada, apoiada por um processo de consulta e validação coletiva, permitiria identificar as principais reivindicações. Assim procedi através de reuniões com a equipe de trabalho que estava sob minha coordenação, com 60 servidores. A análise dos resultados dessa consulta apontou algumas demandas reprimidas que fundamentaram a primeiras ações propostas e submetidas à aprovação da diretoria que aprovadas foram implantadas nos dois anos seguintes. Desse conjunto de problemas a primeira tentativa de solução apontava para a necessidade de se criar novos estímulos, de valorizar os indivíduos e de uni-los nos mesmos desafios.
Desde o momento que a titulação acadêmica passou, por força de lei, a representar um substancial aumento nos salários, podendo ser acima dos 100% no caso do doutorado, essa passou a ser uma razão legitima para todo servidor aspirar este benefício. Mas como fazê-lo se, nos últimos dez anos, a política da instituição havia sido reduzir o numero de solicitações deferidas? Mesmo tendo obtido autorização como o servidor se ausentaria por longos períodos, entre dois e quatro, sem passar no retorno por todos os problemas de readaptação que foram já identificados, desde a desconexão entre o conhecimento adquirido e as funções técnicas exercidas até a necessidade de cumprir o interstício obrigatório de igual período? Como ampliar a oferta de oportunidade de mestrado e doutorado, que compatibilizasse interesses institucionais com interesses pessoais? Como fazer isso sem ausentar-se do trabalho? Destas dúvidas e inquietações nascia a necessidade e oportunidade de propor a criação de uma Universidade Corporativa do CNPq, em parceria com reconhecidas instituições acadêmicas. Depois de muitas negociações foi estabelecido um convênio com um consórcio conformado por três universidades do Rio Grande do Sul e outro com o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, permitindo a 32 servidores do CNPq fazerem o mestrado e o doutorado “in company”, ou seja, sem se ausentarem do trabalho. A segunda frente de atuação foi o início de um projeto de mapeamento dos macroprocessos da área de recursos humanos e na sequência, de toda a instituição. Somente a partir desse estudo seria possível propor um reordenamento da estrutura funcional e do organograma da instituição já que as organizações estão sempre em processos de mudança e adaptação aos novos imperativos.
Em design não se projeta para o cliente, mas com o cliente. Qualquer nova sugestão de ação ou projeto deve ser fruto de um desejo compartilhado, construído e detalhado por várias pessoas, cada uma aportando seu conhecimento e informações. Para gerenciar este processo é preciso saber ouvir e saber dividir. Um modo de demonstrar esta preocupação e engajamento é através das atitudes cotidianas. Uma delas, de caráter simbólico, foi deixar a porta da sala permanentemente aberta como demonstração de receptividade e transparência. Ainda no quesito comunicação e, como forma de estreitar o diálogo entre os vários níveis decisórios e hierárquicos, propus a recomposição do Fórum dos coordenadores gerais enquanto instância intermediária entre a alta gerência e o corpo técnico-administrativo. Do mesmo modo sugeri a criação de uma rede social interna, denominada “Entrenós”, como veiculo de participação e debate e de incremento das relações interpessoais.
2011 foi um ano marcado pela mudança física do CNPq para um novo imóvel situado no Lago Sul, próximo ao aeroporto de Brasília, gerando um clima de insatisfação em parcela razoável da força de trabalho, acostumada a organizar suas vidas em torno da localização física da instituição, que por mais de 30 anos ocupou dois prédios na asa norte da cidade. Acostumados a almoçarem em suas casas e aproveitarem o período da pausa do meio dia para resolverem todos os problemas de ordem pessoal, os servidores viram-se com essa mudança, repentinamente obrigados a permanecerem em seu local de trabalho durante o período do almoço ou fazerem quilômetros extras todos os dias. O estranhamento das pessoas ao seu novo habitat, seja profissional ou pessoal, é natural nas primeiras semanas ou meses, cuja adaptação dependerá do tipo de acolhida e de conforto. Tornava-se urgente minimizar a insatisfação daqueles que não se conformavam com a perda de sua zona de conforto, propondo ações envolventes, sedutoras e inteligentes. Surgiu assim o Projeto dos “Primeiros Jogos Internos do CNPq” que durante oito meses mobilizou centenas de pessoas criando uma atividade dinâmica e divertida.
A ideia central dos Jogos Internos era provocar uma mudança comportamental levando os servidores e colaboradores a seu unirem em equipes heterogêneas buscando a vitória nas 23 provas diferentes, cada uma delas voltada para uma das múltiplas inteligências. O argumento para formação das equipes que disputaram um prêmio de 35 mil reais foi fazê-lo buscando na diversidade a força competitiva, já que ninguém domina os oito tipos de inteligências cientificamente estudadas. Estas provas serviram para aproximar as pessoas; estabelecer novos vínculos de amizade e companheirismo; difundir os conceitos de equipes de alto desempenho; estimular um maior conhecimento das ações e metas institucionais; aumentar a autoestima e o sentimento de orgulho e pertencimento institucional. O sucesso dos Primeiros Jogos Internos, evento pioneiro na administração pública, superou as expectativas e induziu a necessidade de se pensar em um projeto que voltasse a ocupar as horas de descanso e de ócio. Ocupar este tempo com uma atividade cultural foi o desafio, vencido com a proposta do Projeto “Passaporte Cultural”, inteiramente patrocinado pelas Embaixadas e representações diplomáticas sediadas em Brasília.
Durante o ano de 2012, de março a novembro, cada mês foi dedicado a um país cuja produção cultural, e em especial a cinematográfica, fosse apresentada durante a pausa do almoço. Espanha, Bélgica, Argentina, Portugal, Alemanha, Índia, México, Suécia e Peru foram os países convidados que aceitaram o convite, propondo programações mensais em graus crescentes de qualidade.
Não é somente a saúde mental que preocupa a área de qualidade de vida. A proposição dos “Círculos da Saúde”, de automonitoramento, apoiadas por médicos, psicólogos e fisioterapeutas, baseava-se em uma prática nova e experimental de formação de grupos de ajuda mútua para monitorar as promessas e desejos individuais de melhoria da saúde e do condicionamento físico. Grupos entre 10 e 15 indivíduos que se apoiam mutuamente, durante um período de seis meses, para conseguir lograr os objetivos estabelecidos. O incremento da autoestima dos servidores foi também o elemento motivador para a criação do projeto denominado de “Memorial do Servidor” cujo objetivo é fazer um registro da história oral na visão dos servidores aposentados ou em vias de se aposentar, prevendo homenagens de agradecimento para aqueles que se destacaram em seu trabalho e com suas contribuições.
Pensar como designer nos amplia a percepção dos problemas e permite diluir as fronteiras que estabelecemos entre áreas de competência. Observar uma instituição de um ponto de vista privilegiado permite identificar e sugerir soluções para demandas e problemas emergentes, e em algumas vezes, antes mesmo que ocorram. A coerência com este pensamento significa explorar novas possibilidades. Propor novos desafios, dentre eles uma parceria mais estreita com a cultura por meio de um acordo de cooperação com a recém-criada Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura, responsável pela coordenação de um novo programa de governos denominado de Brasil Criativo. A partir destes encontros propusemos o lançamento de um Edital direcionado às “Indústrias Criativas” estimulando a inserção desta categoria nos segmentos prioritários do Programa Ciência Sem Fronteiras, cuja meta é a concessão de 100.000 mil bolsas de estudo no exterior.
Do mesmo modo a proposta de maior aproveitamento do capital Intelectual disponível na instituição para ampliação da cooperação técnica e intercambio internacional, oferecendo ajuda aos países da América Latina e África na implantação de projetos, programas, laboratórios, centros de pesquisa e sistemas de CT&I foi sugerida como forma de dar novos estímulos e valorizar os servidores de maior experiência e titulação acadêmica do CNPq.
Buscando sempre a melhoria contínua, identificando e mapeando as demandas e expectativas dos servidores significa a repetição semestral da “Pesquisa de avaliação e monitoramento do grau de satisfação e eficiência no trabalho” com a aplicação de uma ferramenta estruturada, desenvolvida junto com a equipe de psicólogos, que aponta o grau, intensidade e localização dos pontos de tensão e de conflito permitindo agir de modo preventivo.
Este conjunto de ações e projetos, propostos e implementados no curto espaço de dois anos, demonstraram a assertividade de um modelo de gerenciamento pautado pela busca incessante da inovação como estratégia de mudança de paradigmas, reorientando as ações de promoção da satisfação e da qualidade de vida no trabalho como elementos fundamentais para o crescimento das instituições, coerente com os princípios que orientam, respeitam e valorizam os seres humanos, vistos como indivíduos únicos e singulares e não somente como um recurso da organização.

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