24 de abril de 2017

O nascimento do design em Minas Gerais

Em 1972 um grupo de idealistas liderado pelo engenheiro Luis Carlos da Costa Monteiro criam em Belo Horizonte a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC. Dentre as áreas de atuação é incluído um setor de design, assim mesmo, com a grafia inglesa. O design vinha sendo apontado como uma ferramenta estratégica para apoiar o esforço competitivo das empresas nacionais, dentro de uma política industrial de substituição das importações. Para assumir a implantação e coordenação desta unidade convidam Marcelo de Resende, ex-aluno da FUMA e naquele momento trabalhando e vivendo em São Paulo. Retornando para Belo Horizonte, Marcelo busca formar uma equipe contratando companheiros dos tempos de Universidade, dentre eles, Érico Dirceu Weick, Eustáquio Lembi de Faria, Oswaldo Coutinho do Amaral e Ricardo Mendes Mineiro. Indicado por Cid Horta e Álvaro Hardy fui fazer uma entrevista com Marcelo na Fundação João Pinheiro. Aceito e incorporado à equipe anotaram em minha carteira profissional a função: designer, no dia 13 de janeiro de 1973.
O setor de Design teve como consultor técnico o Professor Radamés Teixeira, ex-diretor da Universidade Mineira de Arte e da Escola de Arquitetura. Recordo-me de seus argumentos sobre a importância da cultura para o exercício do ato de projetar. Dizia que a revolução industrial inglesa somente foi possível com o ouro levado de Minas Gerais e usado por Portugal para pagar uma dívida Leonina com os Ingleses. Foi ele quem me induziu a deixar o curso de Belas Artes e prestar o vestibular para design, legitimando assim uma profissão que eu havia abraçado de modo espontâneo e intuitivo.
Trabalhava durante todo o dia no CETEC e estudava design à noite na FUMA, tendo como professores meus colegas de equipe. Crescíamos, aprendíamos, trabalhávamos e nos divertíamos juntos. Tínhamos privilégios extraordinários para época, dentre eles acesso a toda literatura disponível mantendo a assinatura de dezesseis revistas internacionais de design. Essa era nossa principal fonte de informação, atualizada e específica. Meu primeiro projeto foi desenvolver a identidade visual do CETEC e o desenho de pictogramas para os setores e laboratórios. Em paralelo o resto da equipe trabalhava no projeto de uma televisão e de um rádio. Reproduzíamos o sistema de trabalho dos estúdios de design que conhecíamos somente pelas revistas importadas. Nessa época era necessário dominar manualmente as técnicas elementares de representação bidimensional (desenho) e tridimensional (modelagem), coisas que as novas tecnologias deixaram hoje superadas. Projetar era 10% inspiração e 90% transpiração considerando as horas que passávamos tentando visualizar e apresentar nossas ideias e propostas como pacientes artesãos.
A subsistência financeira do setor foi garantida nos primeiros anos com o financiamento de projetos pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio através do Programa 06 de apoio ao design. Esse programa constituía em uma opção estratégica para apoiar os emergentes grupos existentes no Brasil através de projetos de interesse coletivo. Coube ao setor de design do CETEC desenvolver um sistema de mobiliário urbano para cidades de porte médio. A equipe coordenada por Marcelo de Resende desenvolveu extenso projeto incluindo tanto a parte de equipamentos como de sinalização urbana. Supervisionavam este projeto através de visitas periódicas, Itiro Iida e José Abramovitz estabelecendo assim vínculos que dariam origem, no futuro, a outros experimentos institucionais e que resultaram anos depois na criação do Programa de Design do CNPq e na criação do LBDI em Santa Catarina. Apesar de o CETEC atuar com custos subsidiados no atendimento as demandas das empresas, poucas buscavam nossos serviços, sendo os principais clientes o poder público, como prefeituras municipais, gerando um crescente desencanto no grupo. A baixa demanda das indústrias impeliu o desenvolvimento de projetos a partir de desejos individuais como um triciclo de uso urbano e um planador. Produtos que nunca chegaram a serem produzidos industrialmente.
Discutíamos temas importantes relacionados com design para escaparmos das autorreferencias. Começamos com artigos e textos selecionados e depois com os próprios autores conhecidos na época e que se transformavam no centro de um debate as sextas-feiras á tarde. Assim fizemos com Aloísio Magalhães, Gui Bonsiepe e Josine des Cressoniers na época secretaria do ICSID e diretora do Centro de Design de Bruxelas. Um documento interno, produzido pelo setor de design do CETEC, sobre implicações entre cultura e tecnologia foi um divisor de águas de nossa atuação profissional. A questão de se buscar um design em consonância com a cultura e as necessidades sociais do Brasil passou a ser nosso eixo norteador.
Na busca de um sentido para o nosso trabalho os olhares começaram a se voltar para as necessidades sociais reprimidas. A oportunidade surge com a demanda de um Prefeito de Juramento, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, em apoiar seus esforços de buscar um desenvolvimento harmônico e autossustentável para seu município, na época privado de luz, telefone, água encanada e estradas pavimentadas. Os produtos resultantes desta ação não eram soluções convencionais. Dentre as ações me recordo das tentativas de uso do bambu como condutor hidráulico trazendo água para o núcleo urbano; construções de cisternas com elementos pré-moldados de fibrocimento; uma lavanderia publica construída no regime de mutirão; uma lagoa de estabilização; uma marcenaria ambulante, e uma feira de ofícios, revelando talentos artísticos insuspeitos e apontando o artesanato como uma tecnologia patrimonial de valor econômico e cultural. Mais do que soluções tecnológicas apropriadas o que se buscava era a tentativa de demonstração de uma terceira via na solução dos problemas urbanos. A necessidade de confrontar a experiência de Juramento com outros modelos de intervenção e buscando maior aprofundamento teórico sobre a questão das tecnologias ditas alternativas ou apropriadas deram origem ao SINTA-78, um seminário internacional com a presença de reconhecidos conferencistas contribuindo para aprofundar os conceitos do design social.
A experiência no CETEC moldou minha forma de projetar e definiu os parâmetros para minha vida profissional. Com Marcelo Resende aprendi a elaborar, negociar e gerir um projeto de design; com Eustáquio Lembi e Osvaldo Coutinho aprendi sobre as metodologias mais assertivas e as bases conceituais do design; com Claudio Martins e Ricardo Mineiro a dimensão política e ideológica do design social; com João Delpino a visão sistêmica e a capacidade de argumentação e resposta e com os demais o significado das palavras cooperação, liberdade, ética, cultura, tecnologia, criatividade e inovação. O Setor de design do CETEC foi, indiscutivelmente, o berço do design em Minas Gerais.
Na equipe de design do CETEC passaram talentos que se espalharam pelo Brasil. Guardo na memória, com especial carinho, os rostos e os nomes de: Alceu Castelo Branco, Claudio Martins, Cláudio Pinto de Barros, Eustáquio Lembi Faria, Fernando Velloso, Guydo Jose Rossi Menezes, Junia Gazzinelli, João Delpino, Luiz Carlos Garcia Chiari, Mariangela Braga Reis, Marcio Fávio Guerra Duarte, Marco Tulio Boschi, Olinda Dias Martins, Oswaldo Coutinho do Amaral, Patricia Mascarenhas Lanari, Ricardo Mendes Mineiro, Regina Alvarez Correia Dias, Roberto Toledo Neder, Wagner Ramos Prates...

Um comentário:

  1. Olá Eduardo, Boas lembranças, especialmente do Radamés Teixeira...
    Estagiei com vocês lá na Av Bias Fortes em 1974, quando o prédio do CETEC do Horto estava ainda sendo projetado.

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