27 de abril de 2008

Entrevista publicada no Diario do Nordeste 27/Abril/2008


Na segunda metade da década de 90, o Instituto Dragão do Mar promoveu uma mudança profunda em diversas áreas: teatro, dança, audiovisual e um certo design. O projeto era ousado e ainda hoje seus frutos são lembrados, com muitos de seus egressos trabalhando como profissionais. Eduardo Barroso dirigiu o Centro de Design do Ceará, parte do Instituto, de 1997 a 2001. Atualmente é sócio-diretor da Empresa Ser Criativo e do Instituto D'Amanhã com sede em São Paulo. Na entrevista a seguir, ele fala daquele tempo e recupera memórias, além de lançar um olhar aguçado sobre o design praticado no Brasil hoje

Você participou da construção do programa do curso de design do Instituto do Dragão? O que foi levado em consideração na época? Quais áreas eram postas em evidência?

O Dragão do Mar, em sua concepção original, tinha como premissa questionar os modelos e as estruturas vigentes na formação de recursos humanos para a área da cultura. O Centro de Design do Ceará nada mais era do que um reflexo desta política, quase utópica, de produzir um saber e um fazer voltados para o futuro. Trouxemos para ajudar a pensar o Centro de Design do Ceará pessoas cuja trajetória na área do ensino tivesse sido pautada pela inquietação e permanente questionamento. Durante uma semana, no inicio da primavera de 1996, estivemos reunidos com Augusto Morello, da Itália; Luis Rodrigues, do México; Joaquim Redig, do Rio; Romeu Damaso, de Minas Gerais e Lia Mônica, da Paraíba. Este eclético time de professores de design, com formações diferenciadas tinha algo em comum: o desejo de desenhar a escola com a qual sempre sonhamos. Uma escola minimamente preocupada em distribuir diplomas. Preocupada apenas em formar pessoas para a vida. Uma escola em que não importassem os títulos acadêmicos dos professores, valendo principalmente sua experiência profissional e sua capacidade de transmitir lições de vida. Uma escola da qual seus ex-alunos se orgulhariam no futuro, lembrando que no primeiro dia de aula o tema tratado foi a ética, sobretudo em um momento de nossas vidas onde esta palavra perdeu tanto valor.

Você poderia fazer um comparativo entre a demanda de profissionais daquele período e de agora?

Naquele momento existia uma demanda reprimida e incipiente, de difícil dimensionamento. Nestes quase dez anos que se passaram o design entrou na moda. Passou a ser uma área de atuação ambicionada e indispensável para um país que busca sua inserção no mercado internacional, cada vez mais competitivo, onde o valor dos produtos é determinado pelo valor simbólico.

Qual era o quadro geral do design do Estado naquela época? Os profissionais estavam mais ligados a que área?

Me recordo perfeitamente de ter dito, em umas das primeiras reuniões com Paulo Linhares e Maurice Capovilla, que naquela época o Brasil já tinha quase cem cursos superiores de design. Mais cursos que os existentes em toda a Europa ocidental, e portanto não era necessário abrir mais nenhum. Necessitávamos sim de um curso diferenciado, voltado para o futuro e não para o passado. Projetamos e construímos uma escola onde os alunos tinham aulas com os melhores professores e designers do Brasil e mesmo do exterior, apesar de todas as dificuldades provocadas pelas barreiras lingüísticas. Foi inesquecível ver Augusto Morello dando aula em italiano, para surpresa de alguns e irritação de outros. Afinal era isto ou nada. Sabíamos que ele estava no fim de sua vida e a sua simples presença, com sua sabedoria e experiência eram como um farol na escuridão. Afinal quantos de nós tivemos a oportunidade de conviver, mesmo que por breves instantes, com os grandes homens de nosso tempo? Assim como ele, trouxemos renomados professores da Alemanha, Holanda, França, Suíça, Bélgica, Espanha, México, Estados Unidos, Argentina, Chile...Hoje, olhando para trás estou seguro que poucas escolas de design no Brasil tiveram um time de professores como o CDC.

Apesar de ter sido tão importante, o CDC acabou sem ter a tão sonhada continuidade...

Apenas para se ter uma idéia da importância que tinha o Centro de Design do Ceará, uma pesquisadora da Universidade da Flórida escreveu um artigo onde o CDC foi citado como um dos dois experimentos mais inovadores de ensino do design na América Latina. No entanto, este centro foi fechado com a alegação de que custava muito caro e que não dava diplomas. Gosto de lembrar que implantamos um sistema, onde as pessoas com talento mas sem recursos financeiros recebiam do estado uma bolsa de estudo e aqueles que podiam pagavam suas mensalidades como em uma escola particular. Um modelo parecido com o que existe nas universidades americanas.

Indo além das especializações, como os profissionais podem ser comprometidos com a cidade em que vivem? Comprometidos politicamente, inclusive?

O design é sinônimo de inovação. É improvável pensar que podemos introduzir a cultura da inovação sem provocar rupturas e desavenças sobretudo em uma sociedade onde uma parcela importante de sua população ainda não conseguiu se desfazer de práticas obsoletas e anacrônicas no campo dos avanços sociais, da educação, da cultura ou das práticas produtivas. Projetar é e será sempre um ato político. Toda vez que projetamos um produto estamos fazendo uma afirmação do tipo de sociedade que desejamos. Lá no CDC ensinávamos a pessoas a serem antes de tudo cidadãos conscientes de seu papel na sociedade.

Ainda pensando na questão anterior, como o designer pode contribuir na consolidação da identidade cultural de uma cidade? Tendo em vista o artesanato, o trabalho que identifica uma comunidade...

Olhando para dentro de si mesmo. Buscando em seu passado, em sua história e suas lembranças afetivas aquilo que nos torna únicos e singulares. Um designer é acima de tudo um decodificador de repertórios culturais. Nosso maior patrimônio é nossa cultura. É isso que irá nos diferenciar em um mundo cada vez mais globalizado e ávido por produtos que tenham uma história para contar.

O que se pode dizer quando os produtos do designer ocupam as salas de um museu? O que esse deslocamento provoca?

Um museu, em uma concepção mais contemporânea, não é apenas o depositário de uma memória cultural. É acima de tudo um espaço de reflexão para se pensar a sociedade em seus múltiplos momentos históricos e sociais. Um produto de um designer quando chega ao museu significa que teve um papel importante na construção de uma cultura material de determinado momento, sendo causa e reflexo de mudanças.

Um comentário:

  1. Olá Eduardo,
    fui ex-aluno da 3ª turma do cdc aqui no Ceará e estou terminando uma especialização em design gráfico e gostaria de obter algumas informações para começar minha monografia a respeito do CDC, posso contar sua ajuda? Gostaria de aprofundar as informações que vi neste post através de entrevista com vc e alunos que viveram aquela época!

    abraço

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