31 de março de 2008

Realidades Pessoais: passado, presente e futuro


Este artigo foi publicado em sua integra na Revista americana Innovation na primavera de 1996.
São três visões do design no Brasil, representando três períodos.
O primeiro, 1973, quando comecei efetivamente minha vida profissional como designer, representando o passado. O segundo naquele momento em que o artigo foi escrito, 1996, representando o presente e o ultimo uma visão do futuro em 2020.
Transcorridos onze anos de sua publicação ele ainda me parece atual e que estamos a caminho de alcançarmos aquilo que imaginei.







Janeiro de 2020
Estou com sessenta e sete anos e me sentido na melhor fase de minha vida profissional. Isto porque acredito que nós, designers, somos neste ponto muito parecidos com os artistas, pois quanto mais vivemos melhor e mais gratificante se torna nosso trabalho. Quanto mais ampliamos nossos horizontes, conhecemos mais pessoas e lugares, maior e mais amplo passa a ser o nosso arquivo de referências e de informações. Conseqüentemente melhores e mais criativas as respostas aos desafios pois somos, antes de tudo, decodificadores de repertórios culturais.

Percebo que as pessoas, em geral, têm muita dificuldade de imaginar o futuro. Pois o tempo projetado parece sempre maior do que aquele já vivido. Se o futuro é aquilo que coletivamente acreditamos podemos imaginar um cenário otimista onde a sociedade a que aspiramos foi sendo gradativamente construída. Neste quadro o Brasil conseguiu compatibilizar crescimento econômico com justiça social, reintegrando a sociedade milhões de pessoas através do apoio as diversas formas associativas geradoras de trabalho e renda, além de uma profunda mudança na estrutura fundiária permitindo a posse e uso produtivo da terra por aqueles que dela necessitam e nela trabalham.

Cresceu a demanda por produtos e processos que permitem uma exploração racional dos recursos marinhos para a produção de alimentos e para o transporte. Aprendemos o manejo adequado da floresta tropical como fonte valiosa de recursos naturais com garantia de renovação. O desenvolvimento do agrobusiness e do ecoturismo tem possibilitado a geração de novas oportunidades de trabalho e o aporte de soluções de integração dos indivíduos ao contexto ambiental da Amazônia, cujas particularidades deste ecossistema o colocam como se fosse uma 4ª dimensão do planeta.

A consciência ecológica, bandeira desfraldada opor alguns líderes mundiais a partir da década de 90, favoreceu o Brasil que transformou esta dificuldade em vantagem competitiva. Para isto contribuiu a flexibilidade e capacidade adaptativa do parque produtivo e do empresário brasileiro; uma gigantesca disponibilidade de recursos naturais renováveis (biomassa, eólica e solar) e o amadurecimento crítico dos indivíduos para o exercício de sua cidadania exigindo produtos e serviços que respeitem a cultura e o meio ambiente.

A maioria dos projetos que venho desenvolvendo estão diretamente ligados a quatro grupos de preocupações pessoais. A primeira preocupação é com o “contexto cultural” resgatando e valorizando a singularidade de cada ambiente a ser trabalhado. A segunda preocupação é com o desenvolvimento humano, escolhendo atividades que contribuam para a promoção do bem estar social. A terceira, com prospecções e analise de tendência, buscando expandir as fronteiras do conhecimento e por ultimo a integração regional, visando a inserção do design nas regiões menos desenvolvidas através de produtos e serviços essenciais.

Uma de minhas maiores satisfações é saber que os Laboratórios de Design iniciados no Brasil nos anos 80 hoje estão espalhados por toda a América Latina. Os acordos entre nações ou instituições estão obsoletos. O que vale é a cooperação entre indivíduos através de redes que transcendem as fronteiras geopolíticas. As pessoas estão descobrindo que o acesso a um produto não significa ter de possuí-lo. O verdadeiro e inalienável patrimônio que dispomos na vida, é a soma de nossas experiências, e somente podemos guardar em nossa mente ou em nosso coração.
O grande desafio agora é projetar satisfação. Porém, projetar significa intervir no futuro e para isso devemos olhar o passado para avaliarmos nossas escolhas, nossos erros e acertos.

Janeiro de 1973
Sou convidado a integrar a equipe de design do CETEC – Centro Tecnológico de Minas Gerais. Somos um grupo muito jovem onde o designer mais experiente ainda não completou 30 anos de idade. Estou começando minha formação acadêmica estudando à noite, na tentativa de legitimar uma prática profissional iniciada 4 anos em atividades tangencias ao design. Na verdade, tangente tem sido a contribuição do design à industria brasileira.
Vivemos duas realidades. De um lado a euforia desenvolvimentista, com o país crescendo impulsionado por grandes obras de infra-estrutura (ponte Rio - Niterói, Metrô de SP; Usinas de Angra, Transamazônica, Itaipu...) financiadas por gigantescos empréstimos externos e, de outro lado, o obscurantismo de uma política interna repressiva, subproduto da ditadura militar. A política industrial baseada no argumento da defesa de mercado, desobriga as empresas a investirem na melhoria de seus produtos e serviços. A industria nacional quando necessita de um novo produto copia aquilo que é feito no exterior, ou trazendo os próprios moldes de produção, prolongando aqui na periferia do planeta a sobrevida de produtos já obsoletos em seus paises de origem. O design colabora apenas de modo cosmético e superficial na remodelação da imagem das empresas ou, quando muito, na parte visível dos produtos.

Nossos clientes são sempre pequenas empresas, com pouco capital, constituídas em sua maioria para viabilizar o sonho de um idealista ou alguém que se transformou em empreendedor por instinto de sobrevivência cujas decisões são tomadas empiricamente ou ditadas belo bom senso, Diante deles vejo um espelho onde sou a imagem refletida.

Como a demanda é pequena, a cada novo projeto que desenvolvemos tentamos por em prática tudo aquilo que julgamos saber, que acreditamos ou que gostaríamos de ver realizado, dificultando deste modo um posicionamento isento e o distancia critica necessário. Com 20 anos é muito difícil não ser ingênuo e sonhador.

A Bauhaus é o nosso paradigma tardio, onde a forma deve seguir a função. Os projetos que fazemos são espartanos, despojados de qualquer adorno ou elemento supérfluo. Vivemos em um mundo monocromático. A fonte tipográfica preferida é a “Helvética”, cujas estritas normas de espacejamento ninguém ousa discutir. Para nós o design é uma espécie de disciplina que se impõe aos produtos e imagens como forma de combater a barbárie. Somos como membros de uma seita onde, para muitos, a fé e a dedicação são os antídotos para combater a falta de talento e vocação.

Alguém disse que projetar requer 10% de inspiração e 90% de transpiração. É a pura verdade. Quantas noites inteiras passo pregando letraset e letrafilm nas pranchas de apresentação dos projetos e em artes-final para enviar para a gráfica? Vejo meus companheiros de equipe moldar no barro, durante dezenas de horas, as propostas formais dos produtos que projetamos, que o desenho somente não é capaz de revelar. Durante estas longas horas de trabalho manual ocupamos nossos pensamentos questionando até que ponto todo este esforço será realmente recompensado. A maioria de nossos projetos jamais será produzida gerando frustração e a busca por outras formas de fazer design.

Começamos a nos apegar a ilusão de poder colaborar na construção de uma sociedade justa e solidária através da prática de um design comprometido com os processos alternativos de desenvolvimento e pela opção preferencial pelas tecnologias apropriadas. Questões que eram antes eram técnicas passam a ser de natureza ideológica. Na opção por um determinado material ou processo o que se discute é a defesa do patrimônio cultural e a opção preferencial pelos menos favorecidos. Aceitar o encargo de um novo projeto vem a ser, em muitos casos, uma questão de opção entre o inevitável patrulhamento ideológico e a necessidade de sobrevivência individual. O mais paradoxal é o fato que uma equipe de design que necessita da industria para justificar sua existência se afasta dela voluntariamente, mais ou menos como a raposa da lenda, que não conseguindo alcançar as uvas desdenha alegando estarem verdes. Assim, optamos por dedicar nos próximos anos a projetos experimentais na área rural e urbana. Através do poema “Erro de Português” de Oswald de Andrade, encontramos a indicação de um caminho do qual será muito difícil de se afastar.
“Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.”

Simples e claro. Tudo é uma questão de ponto de vista. Basta olhar para dentro nosso próprio país para enxergar nossa realidade para encontrar respostas especificas para nossos problemas.

Janeiro de 1996
Estou na cidade de Antuérpia, na Bélgica, a convite da Hogescholl para conduzir um experimento didático denominado “Jogos de design” . Nosso desafio é desenvolver com 20 alunos do ultimo ano do curso de design um projeto de inserção pessoal no mercado de trabalho. Entrego aos participantes um pequeno conto intitulado “O jardim dos caminhos que se bifurcam” de Jorge Luis Borges. Este conto despertou em mim a visão do tempo como algo totalmente assimétrico, onde o passado, o presente e o futuro, podem existir de modo simultâneo e paralelo. Deste modo, o que temos na vida diante de cada nova circunstância são possibilidades que se alternam e se cruzam. Cabe a nós, descobrir diante das opções presentes aquela que melhor possibilidade de êxito apresente frente as nossos objetivos futuros. Isto significa eliminar a visão determinista da vida e o peso da irreversibilidade do destino.
Revela-se para mim, deste modo sutil, aquilo que mais tarde tentaria qualificar como um dos fundamentos do design: a capacidade de navegar de modo eficiente no espaço assimétrico do tempo. Desenhar nosso próprio futuro é uma tarefa que podemos, e devemos assumir, nós mesmos pois caso contrário será a sorte ou o acaso o responsável por nosso destino e nossa vida se resumirá a um jogo fortuito de possibilidades.

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